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Melhores práticas na cobertura de tráfico humano
Publicado originalmente em inglês por Toby McIntosh no site do GIJN. Traduzido por Ana Beatriz Assam.
Repórteres investigativos usam uma grande variedade de habilidades na cobertura de tráfico humano.
É vital que a entrevista das vítimas seja feita com sensibilidade; existem várias orientações sobre como entrevistar indivíduos vulneráveis. Entretanto, lidar com os dados por vezes controversos nessa área pode ser um desafio. A colaboração tem sido fundamental em algumas reportagens, que abrangem vários países, como alguns repórteres esclarecem após a publicação.
Esse e outros tópicos são discutidos abaixo.
Sites de ajuda especializada
Apenas algumas organizações visam especificamente ajudar os jornalistas a trabalhar nessa questão.
Media and Trafficking in Human Beings Guidelines (Diretrizes de mídia e tráfico humano) de autoria da Ethical Journalism Network começa com: “A história do tráfico humano é uma das tarefas mais desafiadoras, complexas e que testam a ética de jornalistas e editores.” O projeto foi financiado pela União Europeia e implementado por um consórcio internacional liderado pelo Centro Internacional para o Desenvolvimento de Políticas Migratórias (ICMPD).
O relatório de 2017 determina as definições básicas de tráfico, aborda a estratégia para redações e discute a ética jornalística. Uma seção de “Questões Iniciais” alerta aos jornalistas para “evitar as armadilhas” da desinformação, notícias falsas de redes sociais e propaganda de interesses pessoais.
A Repórter Brasil mantém um guia rápido que fornece informações importantes para a cobertura do trabalho escravo no Brasil, mas também tem aplicabilidade mais ampla. A Repórter Brasil foi fundada em 2001 por jornalistas, cientistas sociais e educadores com o objetivo de encorajar a reflexão e a ação sobre a violação dos direitos fundamentais dos povos e trabalhadores no Brasil.
Outro recurso é o The Irina Project, um site da Escola de Mídia e Jornalismo da Universidade da Carolina do Norte. Mais sobre isso no capítulo abaixo sobre a avaliação do tratamento da mídia ao tráfico de pessoas.
Um guia curto, mas desafiador, é o “Media Best Practices” (Melhores práticas de mídia), publicado em 2017 pelo Departamento de Estado dos EUA. Começa assim:
"A forma como a mídia relata o tráfico de pessoas é tão importante quanto o que está sendo relatado, e o impacto geral dessas histórias é refletido na forma como o público, os políticos, a polícia e até mesmo outros meios de comunicação entendem a questão. Nos últimos anos, vários relatórios sobre o tráfico humano incluíram informações erradas, estatísticas desatualizadas, culparam ou exploraram os sobreviventes e apresentavam terminologias confusas.
Em vez de esclarecer melhor esse problema, esses relatórios deixam ainda mais confuso um crime que já é subnotificado e muitas vezes incompreendido pelo público. Como a questão do tráfico humano continua a capturar a consciência do público, a mídia têm a responsabilidade de informar de maneira completa e responsável, e de proteger aqueles que foram explorados."
Reporting on Refugees, Asylum Seekers and Immigrants (Reportagem sobre refugiados, solicitantes de asilo e imigrantes) foi criada pelo 90 Days 90 Voices para fornecer “diretrizes para relatos éticos de imigração.” O grupo norte-americano “conta as histórias daqueles que buscam um lar nos Estados Unidos durante uma era de agitação através de narrativas pessoais, áudio, fotografia, quadrinhos e eventos de jornalismo ao vivo”. O guia diz em parte:
"Acima de tudo, apelamos a nós mesmos e a outros jornalistas para que evitem “a segunda ferida” - o impacto doloroso que os relatos imprudentes, imprecisos e descuidados podem ter sobre os imigrantes vulneráveis que frequentemente estão fugindo da guerra, da instabilidade e da tragédia."
Wahyu Dhyatmika, da Indonésia, editor-chefe da Tempo Newsroom, descreveu as origens de uma investigação em uma palestra da IJAsia18 intitulada Exposing Modern Slavery in Asia (Expondo a Escravidão Moderna na Ásia).
Também da IJAsia18, leia os detalhes em How The Reporter and Tempo collaborated to investigate on human trafficking (Como o The Reporter e a Tempo colaboraram para investigar o tráfico de seres humanos), por Sherry Hsueh-Li Lee, do The Reporter. Mais material da conferência: Nepal-India-Gulf Human Trafficking Nexus (Relações do tráfico humano em Nepal-Índia-Golfo), por Pramod Acharya, editor assistente do Centro de Jornalismo Investigativo em Kathmandu.
Na GIJC17, uma folha de dicas sobre recursos de tráfico humano foi apresentada por Tim Sandler, Diretor de Investigações da Transparentem, uma unidade sem fins lucrativos que utiliza relatórios investigativos e métodos forenses para iluminar cadeias de suprimento e estimular a erradicação de abusos humanos e ambientais.
Reporting on Slavery: Tips from the Pros (Reportagem sobre escravidão: Dicas dos especialistas), descreve as apresentações feitas na GIJC17 por Sandler, a repórter da AP Martha Mendoza, a repórter freelancer de longa data Malia Politzer e o editor do Centro Internacional para Desenvolvimento de Relatórios, Emmanuel Mayah.
Definições
É importante entender as definições nesta área.
As várias categorias incluem: escravidão por dívida, escravidão por contrato, tráfico sexual, casamento forçado ou servil, servidão doméstica, trabalho infantil e crianças-soldado. Existem distinções significativas e debates em andamento, como por exemplo, em relação a distinguir contrabando humano de tráfico humano e prostituição de tráfico sexual.
Para saber mais, visite a FAQ no site do Free the Slaves (em inglês) ou o relatório anual do Departamento de Estado dos EUA. O “Victim Identification Toolkit” (Kit de Ferramentas para Identificação de Vítimas) da Liberty Asia fornece informações básicas sobre definições em acordos internacionais.
Veja uma seção sobre definições do The Irina Project que inclui sugestões sobre o uso de palavras, como, por exemplo, não usar "prostitutas infantis".
Migrant smuggling and human trafficking from Libya to Europe: What does the media say? (Contrabando de migrantes e tráfico de seres humanos da Líbia para a Europa: o que a mídia diz?) Este relatório de 2019 publicado pela Enact foi escrito por Ciara Aucoin e Jihane Ben Yahia. “Este estudo analisou as formas com que uma parte da mídia de língua inglesa cobriu os temas de tráfico de migrantes e tráfico de seres humanos da Líbia, e a frequência de palavras usadas para denotar escravidão, abuso e transações financeiras.”
Narrativas em primeira pessoa feitas corretamente
Entrevistas de qualidade com vítimas de tráfico são cruciais na cobertura deste tópico e apresentam desafios especiais.
“Qualquer abordagem à vítima deve ser um processo gradual e não ameaçador”, começa um guia do Departamento de Justiça dos EUA para policiais, que também se aplica a repórteres.
"É fundamental ter em mente que a realidade de uma vítima é a sua realidade ao se preparar e ao conduzir entrevistas de investigação com possíveis vítimas de tráfico", segundo o guia, que também tem links para outros recursos.
Um guia da ONG Project Reach descreve “o que você pode ver” e dicas, tais como: “Esteja ciente de que mudanças em memórias não indicam necessariamente mentiras ou enrolação, mas podem ser evidências de uma resposta ao trauma.”
Sugestões voltadas para jornalistas foram preparadas por Minh Dang, uma especialista em tráfico humano da Califórnia. Ela lista cinco princípios orientadores:
- A pessoa que você está entrevistando cria as regras.
- Seja transparente e ponderado como repórter.
- Lembre-se que se trata de uma pessoa, não um representante das vítimas.
- Seu propósito é buscar a verdade e contá-la ao público.
- Acima de tudo, não faça nenhum mal.
Dang, uma sobrevivente de abuso infantil, incesto e tráfico sexual doméstico nos Estados Unidos, também escreveu uma introdução comovente a um relatório de 2013, o “Survivors of Slavery: Modern Day Slave Narratives” (“Sobreviventes da escravidão: narrativas sobre escravos dos dias atuais"), no qual ela estabelece "um conjunto de princípios orientadores para o movimento antitráfico”, começando com ‘reumanizar os sobreviventes’ ”.
Uma sobrevivente do tráfico sexual infantil, Holly Smith, escreveu sobre a importância da construção de conexão e confiança e salienta que as relações com as vítimas levarão tempo e paciência. Como outras vítimas, ela cita, "As primeiras reuniões você está ganhando a confiança deles e construindo uma conexão".
Um aviso contra dizer: "Eu entendo como você se sente" e uma recomendação para dizer "Eu gostaria de contar sua história" está entre as dicas preparadas por Steve Buttry, que lecionou na Louisiana State University. Um curso online gratuito chamado Jornalismo e Trauma é oferecido pelo Poynter.
Recomendações especiais sobre entrevistas com mulheres e crianças estão incluídas no “The Toolkit to Combat Trafficking in Persons” (Kit de Ferramentas para Combater o Tráfico de Pessoas) do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). O "Manual de Tráfico Anti-Humano para Praticantes de Justiça Criminal" do UNODC também é útil para entrevistas. A Organização Mundial de Saúde (OMS) contribuiu com "Conduta de Entrevista Ética e Segura".
A repórter da Associated Press Martha Mendoza, que fez parte da equipe da AP que expôs o uso de trabalho escravo na indústria tailandesa de frutos do mar, esmiuçou o material da OMS e do UNODC em sete lições:
Não faça nenhum mal. Trate cada mulher e situação como se o potencial de dano fosse extremo até que haja evidências do contrário. Não realize nenhuma entrevista que torne a situação de uma mulher pior a curto ou a longo prazo.
Selecione e prepare adequadamente intérpretes e colegas de trabalho. Prepare fotógrafos, videomakers e intérpretes para saber como se aproximar da vítima, e se sua identidade será mostrada. Nunca publique imagens de crianças que foram vítimas de tráfico.
Respeite o anonimato e a confidencialidade. Proteja a identidade e a confidencialidade de uma fonte durante todo o processo de produção da reportagem. Imagens de mãos, silhuetas ou outras imagens não identificáveis podem ser suficientes.
Deixe o entrevistado conduzir. Ouça e respeite a avaliação de cada mulher sobre sua situação e o risco de sua segurança. Reconheça que cada mulher terá preocupações diferentes e que a maneira como ela vê suas preocupações pode ser diferente de como você as avalia.
Não volte a traumatizar uma mulher. Não faça perguntas destinadas a provocar uma resposta emocionalmente carregada, especialmente para reportagens em vídeo. Esteja preparado para responder à angústia de uma mulher, retrocedendo na entrevista, fazendo uma pausa, trazendo um assistente social ou membro da família.
Esteja preparado para intervenção de emergência. Esteja preparado para responder se uma mulher disser que está em perigo iminente. Isso significaria saber quais recursos estão disponíveis para assistência e ter certeza de que ela sabe sobre eles.
Faça bom uso da história. Se alguém tiver sido generoso o suficiente para compartilhar sua história, relate-a detalhadamente, de maneira envolvente e informativa. Esta é uma maneira de trazer o interesse público para um problema, um passo em direção a uma solução.
Outro conjunto de sugestões foi compilado por Malia Politzer, uma experiente e premiada jornalista, especializada em migração internacional, direitos humanos e reportagem investigativa.
Coisas para lembrar:
- Sobreviventes de trauma podem não ser capazes de dizer com total precisão exatamente o que aconteceu com eles.
- Sobreviventes podem lembrar coisas de forma diferentes em momentos diferentes.
- Eles podem não entender porque reagiram de certas maneiras, em certos momentos, curando traumas.
- Vergonha / confusão pode fazer com que eles deixem de fora detalhes.
Quando entrevistando vítimas de trauma:
- Peça consentimento durante o processo.
- Se mais tarde eles tirarem o consentimento, não use a entrevista (mesmo que eles tenham dado consentimento em um primeiro momento).
- Eles decidem onde você os entrevista.
- Eles podem parar a qualquer momento.
- Pergunte se você pode fazer vídeos / fotos, não suponha (também informe-os antes da entrevista que você pode querer vídeos e fotos, e pergunte novamente no momento em que for fazer o registro).
- Explique seu processo, por que você está fazendo o que está fazendo e as possíveis consequências de sua reportagem.
- Pergunte com quais termos o entrevistado se identifica (vítima / sobrevivente de tráfico, menor explorado sexualmente, trabalhador escravo, etc.) e use aquele termo na história.
- Não forçe.
- Se possível, evite questionar diretamente o relato das vítimas (perigo de um novo trauma), mas valide as informações fornecidas pela vítima com fontes externas.
Em um artigo de 2016, a repórter freelancer Sherry Ricchiardi refletiu: “Durante minha carreira, entrevistei dezenas de pessoas cujas vidas foram destruídas pelo trauma. A cada vez, eu me angustiava com o efeito que minhas reportagens tinham sobre o sofrimento deles ”.
Também são relevantes as 10 sugestões, da War Horse, uma publicação de notícias americana, sem fins lucrativos, na cobertura de assuntos de guerra e veteranos.
A orientação inclui “deixar a porta aberta”. E continua: “Não importa quanto conhecimento você tenha sobre o assunto, você nunca pode prever como um indivíduo em particular experimentou os eventos que aconteceram com ele”.
Controvérsias existem nos dados sobre tráfico
É necessário cuidado ao usar números oficiais sobre escravidão e tráfico de pessoas.
O último grande número oficial foi lançado em setembro de 2017 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), pela Fundação Walk Free e pela Organização Internacional para as Migrações (OIM).
As três organizações concordaram com uma estimativa maior e mais nova - 40,3 milhões de pessoas mantidas como escravas em 2016, no relatório “Estimativas Globais da Escravidão Moderna”. Cerca de 25 milhões estariam em trabalho forçado e 15 milhões em casamento forçado. Antes disso, cada organização utilizava dados, definições e metodologias diferentes para obter números bastante diferentes, consideravelmente menores. (Veja o resumo em inglês da Reuters sobre as mudanças.)
Limitações numéricas
Apesar do consenso, os autores da OIT advertiram: “Os números regionais são importantes, mas devem ser interpretadas com cuidado, tendo em mente lacunas críticas e limitações dos dados.” Além disso, não há dados confiáveis disponíveis em zonas de conflito.
Diversos críticos ecoaram essa preocupação, como Daniel Mügge, professor de Aritmética Política na Universidade de Amsterdã, que advertiu: “Na reprodução das estatísticas, geralmente, ressalvas sobre a qualidade dos dados e outros avisos aos usuários dos dados se perdem rapidamente”.
Estimar os níveis de tráfico de seres humanos continua sendo problemático.
O relatório anual do Departamento de Estado dos EUA sobre tráfico em 2017 disse que os governos em todo o mundo identificaram 66.520 vítimas reais de tráfico humano. “Essa enorme disparidade entre o número estimado de vítimas em todo o mundo e o número real identificado fornece uma medida da tarefa monumental que está à frente do movimento de combate ao tráfico em nível internacional e nacional”, segundo um relatório da Liberty Asia.
Mas os dados do sistema legal podem fornecer informações sobre coisas como países de origem e destino, como no relatório de 2016 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Ele diz, por exemplo: "Embora a maioria das vítimas detectadas ainda seja mulheres, crianças e homens representam agora uma parcela maior do número total de vítimas do que há uma década".
Em setembro de 2017, foi feito um anúncio sobre a criação do Counter-Trafficking Data Collaborative, um repositório global de dados sobre tráfico humano. A iniciativa conjunta é liderada pela OIM, a Organização Internacional para as Migrações da ONU e a Polaris, uma organização independente que combate a escravidão moderna.
O cálculo pode ser influenciado pela metodologia e definições. O debate sobre a contagem do tráfico continua. Foi tema de uma edição especial de 2017 do Journal of Human Trafficking. "Tem havido uma tendência infeliz dos defensores de escolherem dados, promoverem dados de metodologia duvidosa, ou distorcerem os dados para se adequar a uma agenda política", de acordo com a introdução.
Uma série de histórias foi escrita ao longo dos anos com base na suposição de que grandes eventos esportivos vão atrair um grande número de profissionais do sexo traficadas. Mas a evidência sugere o contrário, de acordo com um artigo de Ronald Weitzer, professor de sociologia na Universidade George Washington, em Washington.
Dados nacionais e locais são notavelmente fracos, dizem os especialistas, alguns sugerindo que esse é um tópico para jornalistas. Por vezes, podem ser encontrados estudos especializados, financiados pela indústria, como um estudo recente sobre a indústria pesqueira tailandesa.
Debates sobre as definições continuam
“Não é estranho que tão poucas pessoas que são consideradas 'escravas modernas' se vejam assim?” Diz a manchete de um artigo de Priya Deshingkar, Diretora de Pesquisa do consórcio de pesquisa Migrating out of Poverty, financiado pelo Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido.
A pesquisa a nível de solo pode contradizer as generalizações oficiais, de acordo com um artigo de 2014 do Guardian, de Neil Howard, do European University Institute. Ele citou pesquisas dizendo que as crianças do Benin que fazem serviços domésticos e trabalham em minas decidiram migrar por conta própria para o trabalho.
Também debatido é o que diferencia o tráfico sexual forçado e o trabalho sexual consensual.
“No final, ninguém sabe quantas pessoas estão escravizadas, mesmo em uma única nação”, disse Weitzer. “Grandes números atraem a atenção da mídia, do governo e o comprometimento de mais recursos para combater o problema, mas sem uma base sólida de evidências”.
O que é mais necessário, ele disse, são "estudos em nível local conduzidos cuidadosamente".
O Departamento de Estado dos EUA observou: “Os repórteres geralmente lidam com números, mas estatísticas confiáveis relacionadas ao tráfico de pessoas são difíceis de encontrar.” Em junho de 2017, a “Media Best Practices” aconselhou:Os números nem sempre são a história. Busque histórias individuais de sobrevivência, novas iniciativas governamentais ou esforços de pesquisa inovadores até que dados melhores estejam disponíveis."
"Os números nem sempre são a história. Busque histórias individuais de sobrevivência, novas iniciativas governamentais ou esforços de pesquisa inovadores até que dados melhores estejam disponíveis."
Reportagem colaborativa
Por causa da amplitude geográfica e da complexidade do tráfico humano, o trabalho em equipe é frequentemente empregado para obter a história. A seguir estão alguns exemplos.
Para descobrir um submundo de trabalhadores ilegais e exploração humana nos pomares da Austrália, o repórter indonésio Saiful Hasam se colocou como trabalhador. Seu disfarce foi apoiado pelos co-autores Nick McKenzie e Richard Baker. O artigo foi o resultado de uma colaboração de mídia transfronteiriça envolvendo a Utusan Malaysia, o jornal The Age, de Melbourne, e a Australia Broadcasting Corporation.
A reportagem de Saiful incluiu gravar escondido em seu celular com um líder de trabalho. “O último ato de Saiful disfarçado foi coletar seus pertences e o dinheiro que ele devia pelos seus quatro dias de trabalho”, eles escreveram, notando que ele foi enganado na hora de receber o troco.
Virgil Grandfield, que ganhou o prêmio da Canadian National Magazine em 2016 na categoria Reportagem Investigativa, começou seu artigo, “The Cage”, com um aceno para seu assistente na Indonésia, “um esperto e inteligente professor do ensino fundamental do tamanho de meio saco de batatas”.
Sua colaboração na pesquisa de um escândalo de tráfico de mão-de-obra os levou a um ponto perigoso, um encontro com uma importante fonte potencial. Ele escreveu:
Eva me encontrou para o café da manhã no hotel em Medan, a extensa capital do norte de Sumatra, na Indonésia, no verão de 2015. Quase antes de nos sentarmos, ela disse: "Você está pronto para morrer hoje?" "Sim", eu disse. “Acho que sim”. “Não tenho medo de morrer”, disse ela.
Para escrever “Piratas do Mar Mediterrâneo”, uma equipe de oito jornalistas de seis países e especialista em tráfico de pessoas trabalhou para descobrir as pessoas e empresas que lucravam com a venda de viagens perigosas aos migrantes e refugiados que tentam cruzar o Mar Mediterrâneo para chegar à Europa.
“O time se reuniu com promotores que investigavam esses casos, mergulhou em registros de comércio e empresas, cruzou com as informações encontradas em vários bancos de dados de remessa e elaborou uma lista de navios suspeitos que foram usados para transportar migrantes ou foram colocados na lista negra por conta de suas atividades ilegais”, diz o artigo.
Puxe o fio
Felicity Lawrence, que escreveu sobre o trabalho escravo de migrantes no Reino Unido para o The Guardian, descreveu seu processo:
Minha abordagem jornalística é ouvir o maior número possível de pessoas por meio de entrevistas extensas no local. A partir dessas entrevistas, eu tento entender as grandes tendências de mudança, e observar o quadro maior e se ele é confirmado por outras pesquisas e estatísticas. A partir daí, eu volto um pouco para encontrar os melhores exemplos de base para explicar o que está acontecendo… Então eu não tenho uma única peça da qual eu tenha muito orgulho: uma coisa tende a levar a outra. Você puxa um fio e continua se desenrolando através de peças diferentes ao longo dos anos.
Olhos que gritavam por socorro
"Os olhos de um garoto adolescente mantido como escravo sexual por um comandante da polícia em um ‘canto esquecido por Deus’ do sul do Afeganistão gritavam por ajuda", escreveu Anuj Chopra, da Agência France Press, enquanto refletia sobre o que inspirou uma história bombástica.
Chopra encontrou mais do que o esperado quando começou a pesquisar o costume afegão de escravidão sexual de crianças, “bacha bazi”. Sua história final para a AFP revelou “uma prática difundida de manter crianças como escravas sexuais pela polícia no sul da província de Uruzgan e como os talibãs os utilizam como ‘cavalos de Tróia’ para matarem seus abusadores”, escreveu em uma descrição de sua reportagem.
"Quando me deparei pela primeira vez com essa história através de uma fonte bem conectada em Uruzgan, não acreditei", ele lembrou, "mas quando comecei a pesquisar, várias fontes começaram a confirmar a história".
O sigilo era necessário. Chopra escreveu:
"Reportar esse assunto profundamente sensível tinha muitos riscos de segurança, já que a bacha bazi é amplamente praticada com impunidade por policiais desonestos e poderosos. Com cuidado para não deixá-los saber da minha investigação, trabalhei em silêncio por dois meses, pesquisando outras histórias de Uruzgan como disfarce, ao mesmo tempo em que entrevistei fontes e colhi fatos em segredo."
Explorando um segredo aberto
“Às vezes vale a pena explorar até segredos abertos”, escreveu o repórter do New York Times, Ian Urbina.
O segredo do qual ele ouvira falar referia-se às “supostas agências de recrutamento que enganam os marinheiros para trabalharem em navios pelo mundo, especialmente em embarcações de pesca”.
"Comecei observando o recrutamento fraudulento e a morte suspeita de um filipino, Eril Andrade", segundo seu "Caderno de Repórteres". "Mas meu alvo rapidamente se expandiu."
A medida que viajei por pequenas aldeias nas Filipinas, investigadores da polícia, promotores das províncias, advogados dos marinheiros e antigos marujos me contaram sobre padrões difundidos de tráfico e abusos”, disse Urbina. Depois, vieram as conversas (ou tentativas de conversar) com funcionários corporativos e do governo e leituras de registros oficiais.
Sentado em uma sala de espera
"Minha maior descoberta", lembrou Roli Srivastava, da Thomson Reuters Foundation, veio "enquanto esperava por mais de duas horas por um velho policial".
Ela estava apenas começando sua investigação sobre o tráfico de jovens meninas indianas para os países do Golfo Pérsico. Sentada na delegacia, conversou durante uma hora com um homem que se revelou um agente de casamento que cooperava com a polícia.
Depois disso, Srivastava continuou a cavar, entrevistando as vítimas e aqueles que ajudavam as vítimas. “Eu também rastreei um antigo Qazi (que realiza casamentos muçulmanos) cujo nome eu tinha das entrevistas que estava fazendo com as vítimas que falaram sobre o problema e sua origem”.
“Eu estava ciente da história por mais de uma década”, ela disse à GIJN. “De fato, houve um filme em hindi nos anos 80 sobre o comércio de jovens nesse mercado de casamentos de Hyderabad. O que eu descobri desta vez foi a escala desse esquema, a enorme rede e o dinheiro envolvidos. Também aprendi que a paciência quase sempre produz boas informações”.
Este guia foi elaborado por Toby McIntosh, diretor do Centro de Recursos da GIJN. Ele trabalhou na Bloomberg BNA em Washington por 39 anos. Ele é o ex-editor da FreedomInfo.org (2010-2017), onde escreveu sobre as políticas da FOI em todo o mundo e atua no comitê de direção da FOIANet, uma rede internacional de defensores da FOI.