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Jornalismo de campanha: uma ferramenta poderosa para causar impacto
Publicado originalmente em inglês por Adam Cantwell-Corn no site do GIJN. Traduzido por Ana Beatriz Assam.
“Qualquer jornal que se preze, na era moderna, deve conhecer os principais ingredientes de uma boa campanha.” Essas palavras, de um ex-editor adjunto do jornal britânico The Daily Mail, devem repercutir com todos os editores e jornalistas, quaisquer que sejam suas opiniões sobre a marca de jornalismo do Mail.
Em uma era caracterizada pela busca por modelos sustentáveis para o jornalismo e para a renda vinda do leitor, e pela cacofonia sempre ensurdecedora do espaço online, as organizações de mídia estão buscando demonstrar seu valor e engajar suas audiências.
O atual movimento de muitas organizações de notícias para mostrar seu impacto foi bem captado em um recente artigo postado no GIJN. Diana Lungu, que supervisiona o impacto gerado para o Centro Europeu de Jornalismo, afirmou que “você precisa fazer mais do que os jornalistas faziam quando todos liam o jornal. Hoje em dia, você precisa controlar o que acontece com sua história. Você precisa de uma estratégia para encontrar e engajar as pessoas certas, que podem fazer a diferença ”.
O jornalismo de campanha, bem feito, é uma ferramenta essencial nos esforços para mostrar que o jornalismo realmente importa.
Não existe uma definição consensual de jornalismo de campanha, mas eu a caracterizaria como uma reportagem obstinada com uma forte linha editorial que busca fazer uma combinação poderosa que possa produzir um impacto evidente para os leitores e as comunidades em geral. Não estamos falando aqui sobre “cobertura de campanha”, que é rotina de reportagens sobre políticos que estão concorrendo a cargos eletivos. Nos EUA e em outros países, o jornalismo de campanha pode ser chamado de advocacia jornalística ou ‘jornalismo de causa’.
No Reino Unido, o jornalismo de campanha tem uma tradição longa e respeitável. Isso inclui o papel do The Daily Mail na campanha por justiça pelo assassinato de Stephen Lawrence e a campanha Keep It in the Ground (Mantenha-o no solo) do The Guardian em 2015, para parar o investimento em combustíveis fósseis, entre tantos outros.
Para organizações da mídia comprometidas em engajar essas pessoas “antes conhecidas como audiência”, particularmente, as campanhas são uma ótima maneira de se conectar e construir um relacionamento significativo com as comunidades.
A abordagem da The Bristol Cable
A The Bristol Cable é uma revista 100% de propriedade de seus membros, de Bristol, Inglaterra, uma cidade de meio milhão de habitantes, cerca de 200 km a oeste de Londres. Apoiada por mais de 2.000 membros, que são acionistas legais, a publicação produz jornalismo local de interesse público e de alta qualidade e envolve seus membros na condução democrática da organização. O jornalismo de campanha oferece uma oportunidade perfeita para isso.
Um banner usado no site da The Bristol Cable em sua campanha pela transparência nos negócios imobiliários.
Tendo completado uma campanha bem-sucedida que viu o governo local começar a publicar documentos polêmicos e anteriormente sigilosos sobre empreendimentos habitacionais, achamos importante consultar nossos membros sobre suas opiniões a respeito do jornalismo de campanha. Em nossa assembleia geral anual, em 2017, os membros votaram para usar o poder do jornalismo para pressionar por mudanças políticas positivas na cidade.
Desde então, realizamos duas campanhas editoriais. A primeira foi um manual para os membros do parlamento e uma série de investigações sobre o uso secreto e indiscriminado de equipamentos de vigilância pela polícia local, conhecidos como interceptores IMSI (sigla em inglês para "identidade internacional do assinante de um celular"), ou StingRays nos Estados Unidos. Entenda melhor seu funcionamento aqui. Diferente de uma série de editoriais comuns, fizemos apelos diretos pela transparência e responsabilidade em seu uso. Em colaboração com as ONGs Liberty e Privacy International, assim como membros do parlamento, esta campanha resultou em uma vitória legal que obrigará a polícia a divulgar detalhes do uso do equipamento.
Enquanto o centro do “estado de vigilância” permanece intacto, esta campanha viu a The Bristol Cable, uma pequena editora local, trabalhar com parceiros nacionais para criar um impacto significativo.
A segunda campanha concentrou-se no uso de incontáveis e controversos cobradores de dívidas privadas pelo governo local. Através de uma série de investigações, nomes importantes e argumentos convincentes para alternativas ao uso desses cobradores, assim como técnicas mais criativas, como um videoclipe de um rapper local, exigimos que o governo local se comprometesse a testar um novo método de cobrança de dívidas. Após seis meses de publicações, eles o fizeram, tornando-se o segundo governo local em todo o Reino Unido a se comprometer a mudar suas práticas. A campanha foi nomeada para o British Journalism Award.
Nestas campanhas, os membros participaram enviando artigos ou escrevendo aos seus representantes. Para nossa próxima campanha, queríamos aprofundar a participação e o envolvimento com nossa comunidade.
A primeira etapa foi um evento público em que facilitamos as conversas com os membros para lidar com a questão sobre o que faz uma boa campanha editorial: como podemos garantir que permanecemos justos e precisos ao mesmo tempo em que defendemos uma mudança e sugestões do que essa mudança deve ser. Em seguida, enviamos um formulário online para os membros contribuírem quando possível.
Por meio de discussões em equipe sobre a viabilidade e a força das opções, reduzimos as sugestões a duas. A próxima etapa foi lançar uma enquete para os membros votarem na que buscamos - uma campanha para despoluir o ar de Bristol, ou para pressionar a introdução de salas seguras para o consumo de drogas, instalações médicas que comprovadamente reduzem a superdosagem e melhoram as taxas de reabilitação entre usuários de drogas pesadas.
Em seguida, lançamos uma ‘campanha dentro da campanha’ - uma estratégia de comunicações de seis semanas para informar o maior número de membros possível sobre a votação e explicar porque estávamos fazendo isso. Alertados através de uma variedade de boletins online semanais, cartas, artigos jornalísticos, postagens dos editores em blog, contribuições de membros e vídeos, 579 membros aproveitaram a oportunidade para participar da pesquisa, quase 30% de nosso quadro de membros. Uma grande lição disso é que as pessoas podem se engajar mais facilmente quando opções fixas são colocadas, ao invés de deixar as opções em aberto.
Tendo reunido as contribuições dos membros e o interesse por mais envolvimento, agora estamos trabalhando para integrar o engajamento dos membros em uma campanha editoria, destacando a necessidade de agir sobre a questão multifacetada da poluição do ar por meio de investigações, artigos de opinião, visualizações de dados e eventos públicos.
Membros do The Bristol Cable votam durante uma reunião anual. Foto: The Bristol Cable
As campanhas são para todos?
O jornalismo de campanha pode não ser para todos; às vezes, parece que se brinca com fogo quando se trata da discussão sobre a distinção entre advocacia jornalística e jornalismo.
No entanto, e talvez de forma não intuitiva, pode ajudar a melhorar a triste situação em relação à confiança do público no jornalismo. Como? Através da transparência. Quando você lança uma campanha, você claramente marca uma posição editorial. Feito de forma adequada e aberta, isso é totalmente coerente com altos níveis de precisão e justiça, e acaba com a pretensão de neutralidade que tanto o jornalismo defende, mas que não consegue alcançar com credibilidade. ("Fair and Balanced", da Fox News, alguém?)
Os autoentitulados "evitadores de notícias" estão se tornando um grande público potencial, e há demandas crescentes sobre as pessoas pelo seu tempo e dinheiro. As campanhas oferecem uma oportunidade para o jornalismo de interesse público tornar as notícias que consumimos mais poderosas, e permitir que os jornalistas defendam um argumento importante sobre por que isso importa, e por que merecem seu apoio.
Adam Cantwell-Corn é co-fundador The Bristol Cable, uma revista de propriedade dos assinantes e uma cooperativa de mídia que está redefinindo o jornalismo local. Ele trabalha em várias áreas, incluindo editorial, associação e operações.