Formação
Help Desk
Entenda o que é e como fazer jornalismo de soluções
Por Priscila Pacheco
O jornalismo de soluções não é um movimento ou um modismo. Trata-se de uma prática jornalística criteriosa como todo o jornalismo deve ser. A questão é que o fio condutor da reportagem é uma solução. “É a cobertura rigorosa e baseada nas evidências das respostas a problemas sociais”, resume a Rede de Jornalismo de Soluções (Solutions Journalism Network). Não dá foco para intenções, mas para o que já está sendo realizado e apresenta resultados mesmo que iniciais. Não deve ser uma história estilo superação, publireportagem ou release nem dá protagonismo a uma pessoa como “herói”.
Quais são as principais características de uma reportagem de jornalismo de soluções?
Uma reportagem de jornalismo de soluções tem como fio condutor da narrativa o processo de resolução [ou tentativa] de um problema. Precisa explicar ao público as causas do empecilho citado, quais são as limitações da solução, detalhar o processo da implementação e de como funcionou ou não a ação, dizer quais foram os resultados e apresentar uma nova informação ou perspectiva e incluir pessoas, mas se concentrar no processo de resolução.
Quanta evidência é necessária para chamar uma ação de “solução”?
A Rede de Jornalismo de Soluções ressalta que muitas iniciativas podem estar em etapa preliminar e que as evidências podem demorar para aparecer, mas que não é preciso esperar um resultado completo. A evidência necessária deve ser a suficiente para sustentar a credibilidade da reportagem.
O jornalismo de soluções pode ser usado na cobertura diária?
Não. A notícia de última hora pode servir como um gancho, pois uma reportagem com foco em soluções exige uma pesquisa mais detalhada, análise de dados quantitativos ou qualitativos e conversas com especialistas que não estejam envolvidos nas iniciativas citadas. Todavia, não é sinônimo de investigações muito longas ou que custem caro. Um problema local, por exemplo, pode render uma história econômica, mais rápida e fácil sobre a solução.
Como avaliar se podemos aplicar o jornalismo de soluções a um tema?
Não existe solução perfeita, pois qualquer ação terá pontos fortes e fracos. Entretanto, se na pré-apuração foi possível identificar um resultado que se sustenta, mesmo que inicial, a pauta é válida na vertente de jornalismo de soluções. Um ponto importante é fazer perguntas para a própria ideia. Quem está fazendo melhor determinada ação? Em qual nível a resposta funciona e em qual não funciona? Se foi algo implantado em outros lugares, quais os resultados? Quais são os obstáculos para replicação? Quais são os parâmetros de sucesso relevantes?
Há um formato ideal para o jornalismo de soluções?
Da mesma maneira que pode ser aplicado em diversas editorias, o jornalismo de soluções é cabível em qualquer formato. Pode ser um texto como a reportagem da BBC Brasil sobre um projeto de estudantes que está reduzindo a evasão escolar no sertão do Ceará, um vídeo simples de internet, exemplo da matéria produzida pelo Red/Acción, site argentino, sobre tornozeleiras eletrônicas e a reintegração social de mulheres presas ou uma série de áudios, caso das histórias sobre crianças na prisão, da rádio estadunidense WNYC. Também pode ser parte de uma investigação como a história da casa de parto na reportagem especial do 32xSP com foco em partos humanizados ou reportagens de TV como as do programa Cidades e Soluções, da GloboNews.
O que levar em conta na hora de medir o impacto do jornalismo de soluções?
É importante mostrar as lições aprendidas, mas sem desconsiderar as limitações de determinada solução. Além de observar quais as possibilidades de ser algo que possa ser replicado em outro lugar.
Como aproveitar as reportagens de jornalismo de soluções para melhorar a conexão com a audiência?
Antes de definir quais ferramentas de engajamento se pretende usar é essencial estabelecer quais são os objetivos e qual impacto se busca. O segundo passo é planejar ações de contato com a audiência que cubra do processo de apuração até a pós-publicação da reportagem. Para o começo, por exemplo, você pode fazer uma série de stories para mostrar os bastidores da produção e instigar a curiosidade do público. Ao publicar, talvez valha enviar uma newsletter especial. Para fechar, uma opção pode ser produzir uma live com a participação do público com os entrevistados da reportagem para falar sobre como foi o processo de solução de determinada ação, quais foram os desafios etc. É possível preparar um evento presencial, organizar uma visita à redação para uma conversa, fazer enquetes, pedir para o público compartilhar histórias pessoais que tenham relação com a pauta etc. Na América Latina, um exemplo de bom trabalho de engajamento de audiência é a Rádio Ambulante, que não tem foco em jornalismo de soluções. A Rádio produz podcasts e costuma lançar teasers um dia antes de postar o episódio, mantém um grupo ativo no Facebook no qual sempre faz perguntas e conversa com os participantes, mantém o Clube de Escuta, encontros presenciais organizados pelos próprios ouvintes para escutar o podcast e depois conversar sobre o tema do dia. Em setembro, por exemplo, foram organizados mais de 60 clubes em pelo menos 20 países, inclusive no Brasil, para ouvir o primeiro episódio da nova temporada. Enfim, as possibilidades vão das que custam mais caro a produções simples e econômicas. A propósito, um site inclusivo também é uma ferramenta de engajamento.
Priscila Pacheco é jornalista egressa de um curso de jornalismo de soluções oferecido pela Fundação Gabo em parceria com a Rede de Jornalismo de Soluções (SJN, sigla em inglês) e editora-adjunta na Agência Mural de Jornalismo das Periferias.