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Como pesquisar gastos com covid-19 em contratos governamentais

Como pesquisar gastos com covid-19 em contratos governamentais

Imagem: Pexels

À medida que os países gastaram bilhões de forma acelerada para combater a pandemia do coronavírus, a investigação de contratos do governo se tornou urgente.

A crise trouxe novos desafios. As autoridades passaram a usar procedimentos de compra emergenciais, dificultando à divulgação pública e demorando para responder às solicitações feitas com as leis de acesso à informação.

Apesar dos obstáculos, antigos e novos, os repórteres estão divulgando histórias relacionadas a essas compras governamentais todos os dias.

Este guia de recursos da GIJN (Rede Internacional de Jornalismo Investigativo, na sigla em inglês), fornece dicas sobre como seguir essas histórias, junto com exemplos. O material pretende apresentar ao leitor os sinais de alerta para indícios de corrupção e onde encontrar informações relacionadas aos diferentes estágios de processos de compra.

Além de encarar as situações sob perspectivas locais e nacionais, o guia vai abordar o rastreamento de fundos de instituições internacionais como o Banco Mundial. As sugestões da GIJN estão resumidas nesta página sobre Rastreamento de Contratos Governamentais.

A GIJN agradece as sugestões da equipe da Open Contract Partnership (OCP), que produz um boletim informativo semanal repleto de exemplos de investigações sobre contratos do governo, feitas pela mídia. O OCP publicou um Guia para coletar, publicar e visualizar dados sobre aquisições relacionadas à covid-19.


Os fundamentos básicos

Um primeiro passo necessário é entender o sistema de compras do seu país e onde procurar por sinais de corrupção, cartéis, conluio e fraude.

Aqui está uma breve introdução.

Via de regra, existem cinco estágios comuns no processo de contratação:

  • Planejamento - Quando as decisões sobre o que comprar são discutidas e tomadas. No cenário atual, a fase de planejamento é apressada, às vezes não é pública e é pouco documentada.
  • Licitações - É a fase em que o governo pede cotações, ofertas ou propostas (às vezes chamados por outros nomes).
  • Concessão - A decisão de quem fica com o contrato, pode ser determinada pela maior oferta ou com base em outros critérios.
  • Contratação - Os detalhes são geralmente apresentados por escrito. Este é o acordo legal. Às vezes, as partes mais interessantes estão nas emendas ao contrato e seus apêndices.
  • Implementação - O trabalho foi feito, o produto entregue e o fornecedor pago?


Vale para qualquer país?

Apesar das semelhanças básicas, os processos de compra variam bastante de um lugar para outro. Entre outras coisas, a aquisição não é centralizada na maioria dos países, apenas em alguns poucos.

Aprender o básico — a linguagem técnica, o sistema legal e burocrático — ajudará nas reportagens. Para aprender, tente entrar em contato com grupos de interesse público, profissionais do setor comercial com experiência no assunto e até mesmo funcionários do governo.

Para complicar as coisas, a pandemia de covid-19 fez com que muitos governos adotassem procedimentos de aquisição de emergência, pulando etapas comuns e reduzindo a transparência. Esta mudança normalmente é estabelecida por um “decreto de emergência” que determina quando as regras normais podem ser contornadas.

Essas novas diretrizes, por si só, podem estimular a corrupção. Os chamados contratos de “fonte única” ou “sem licitação” são acordos não competitivos que oferecem muitas oportunidades de manipulação. Na União Europeia, por exemplo, os governos podem negociar um acordo de compra sem publicar um anúncio ou notificação. Como resultado, há falta de transparência. (Para obter informações sobre a situação da UE e recomendações para garantir a transparência, consulte este relatório do Access Info Europe.)

As regras e práticas de divulgação de informações são de particular importância. Alguns países são bastante abertos, até mesmo fornecendo dados abertos para download poucas horas após a assinatura do contrato. Outros oferecem muito pouco ou compartilham semanas após o fechamento do negócio.

Novamente, a pesquisa local é essencial. Para obter informações sobre empresas e leis de compras específicas de um país, consulte o banco de dados do Banco Mundial. Veja também a lista do OCP.


Captura de tela da lista de dados de contratação aberta do OCP.

O processo de coleta de informações

Anúncios sobre contratos governamentais específicos podem aparecer em publicações oficiais do governo ou online. Ter conhecimento dos trâmite locais é fundamental para identificar os canais.

Vale lembrar que as aquisições no contexto da covid-19 podem ocorrer nos níveis federal, estadual, municipal e institucional, como para hospitais.

É importante verificar, de tempos em tempos, as possíveis fontes de informação. Isso pode incluir atas de reuniões de comitês de compras, comunicados à imprensa, portais de compras online, editais de licitações em jornais, etc. A busca por fontes em potencial, como nomes de funcionários, pode render bons resultados.

Procurar o auxílio de colegas que conhecem melhor o mercado e unir repórteres de saúde e negócios também são boas práticas.

Saber quais dados e informações são relevantes em cada estágio do processo de compra ajudará a juntar as peças e identificar as principais áreas de risco de má gestão, fraude e corrupção.

Mas, embora a análise regular das informações do governo seja importante, as vantagens de informações privilegiadas não podem ser ignoradas.

As principais fontes em potencial são os concorrentes comerciais. Os licitantes perdedores podem ter reclamações não apenas sobre os concorrentes, mas também sobre o processo e funcionários específicos. Os órgãos responsáveis pelas compras geralmente mantêm um registro dessas reclamações. Com muita sorte, é possível encontrar esses registros em algum lugar de seus sites.

Fale também com as pessoas mais afetadas, como funcionários de hospitais, médicos, enfermeiras, etc.

Pode ser necessário fazer solicitações formais de informações para complementar as já fornecidas publicamente. O guia da GIJN, Dicas sobre solicitações de Lei de Acesso a Informação sobre covid-19 (em inglês e com ênfase para os Estados Unidos) oferece sugestões.


Foto: Chris Stermitz/Pixabay

Reconheça os sinais de alerta para corrupção

Especialistas que lidam com fraude em compras desenvolveram sinais para ajudar a identificar cenários suspeitos, eles indicam situações em que corrupção ou comportamento ilícito já foi visto.

“Cada etapa do processo de contratação tem seus próprios sinais de alerta”, informa o OCP. E ainda recomenda: “Mantenha a credibilidade em seu trabalho jornalístico verificando os fatos e declarando claramente quando os dados disponíveis são insuficientes. Um único indicador de corrupção não basta: cruze os dados de várias fontes sempre que possível. Não tire conclusões precipitadas sobre conflitos de interesse. Às vezes, as coisas parecem mais complicadas do que realmente são. Freqüentemente, a culpa é de falta de contexto e / ou dados ruins. ”


Sinais de alerta na fase de planejamento

No contexto atual, os estágios de planejamento são acelerados e encurtados com frequência.

Ainda assim, uma questão crucial é se os bens ou serviços eram necessários e o que as agências governamentais esperavam.

Nesta fase, as fontes documentais valem muito. No entanto, obter documentos por meio de um pedido via Lei de Acesso à Informação (LAI) leva tempo e muitos governos estão atrasando significativamente a resposta dos pedidos.

O que procurar? As agências governamentais podem ter definido suas metas em documentos de estratégia ou de orçamento anual. Outros relatórios podem ter avaliado estoques, previsto necessidades ou descrito especificações técnicas. O processo também pode identificar cronogramas esperados ou fornecedores de remédios ou equipamentos em potencial. Padrões de avaliação de licitações podem ter sido definidos. Também pode ser interessante saber quem fez o planejamento. Examinar como o governo planeja sair da situação de emergência pode dar uma ideia da prioridades dessas compras.

Fazer solicitações de LAI com antecedência pode resultar em documentos que ajudarão a produzir artigos de análise posteriormente.


Sinais de alerta na fase de licitação

Os primeiros indícios de corrupção e irregularidades nos gastos governamentais são percebidos durante o processo licitatório.

Os documentos do concurso devem ser detalhados o suficiente para que as empresas estejam bem informadas ao fazer uma oferta. Além disso, podem conter nomes de funcionários do governo responsáveis pelo projeto. A forma como esses documentos foram redigidos também pode oferecer indícios de corrupção. Aqui estão alguns sinais de alerta a serem observados:

  • Especificações que podem favorecer um determinado licitante.
  • Requisitos de qualificação excessivamente rígidos, para um determinado produto, ou um certo nível de experiência, podem ser usados para limitar a concorrência ou favorecer um determinado licitante.
  • Existem novos requisitos, que nunca apareceram em concursos anteriores?
  • Por outro lado, especificações amplas ou vagas podem permitir que licitantes não qualificados concorram.

Outra coisa que deve ser verificada é se os funcionários do projeto vazaram informações úteis para favorecer um licitante. Possíveis fontes para essas informações são os prováveis licitantes e especialistas do setor. Checar contratos anteriores de produtos ou serviços semelhantes pode fornecer pistas.

Também é possível obter muitas ideias fazendo algumas perguntas simples, como se realmente há necessidade para esses bens, se a quantidade que está sendo comprada parece apropriada e quando os mesmos produtos foram comprados pela última vez.

O próprio processo pode ser suspeito. Aqui estão alguns outros sinais de atividade suspeita:

  • A divulgação do edital de licitação foi ampla o suficiente, por exemplo, ou foi anunciado apenas localmente?
  • Foram feitas extensões no prazo?
  • Os documentos e quaisquer alterações posteriores foram disponibilizados a todos os licitantes?

Por fim, o processo competitivo da licitação foi evitado? O uso de contratos de “fonte única” ou “não competitivo” pode ser permitido, mas essas exceções podem ser manipuladas.

Essas situações podem não vir à tona até que o acordo seja anunciado.


Sinais de alerta na fase de concessão

O processo de seleção e anúncio da proposta vencedora pode ser manipulado por funcionários do governo e pelos possíveis licitantes. Portanto, a falta de transparência é um sinal de alerta óbvio. A abertura do concurso foi atrasada? A abertura da licitação foi pública?

Ao observar o resultado, aqui estão alguns indicadores clássicos que sugerem que uma investigação aprofundada é necessária:

  • Muitos candidatos ou poucos.
  • Licitante muito novo.
  • Oferta vencedora muito baixa.
  • Propostas rejeitadas, por motivos que podem ser arbitrários.
  • Empresas qualificadas não se candidataram. (também é possível descobrir quem pediu os documentos necessários para se inscrever.)

Recomenda-se, a busca pelos detalhes da oferta vencedora e das perdedoras, quando disponíveis e pelas diferenças significativas nos termos escritos. (O guia do Centro Internacional de Recursos Anticorrupção (IACRC) oferece mais detalhes sobre esquemas em que os preços de itens são manipulados para obter uma vantagem no processo de licitação).

Os documentos de licitação, se não estiverem disponíveis publicamente, podem ser um bom alvo para uma solicitação de LAI. Outros candidatos para LAI incluem os documentos usados pelos órgãos responsáveis na avaliação das propostas e comunicação entre licitantes sobre o projeto.

Entrevistar os licitantes perdedores, principalmente os desqualificados, pode gerar reclamações. Isso deve ser considerado com muito cuidado. Se houver um processo formal de apelação, fique de olho.

A análise de propostas vencedores em concursos anteriores também pode revelar padrões recorrentes.

O que significa se vários contratos são com o mesmo licitante? Às vezes, os concorrentes compartilham um negócio revezando quem ganha a licitação. Os licitantes perdedores podem aparecer como subcontratados. Como o valor da oferta vencedora (em valores unitários) se compara às compras anteriores?

Outras coisas a procurar? Disfarces e consórcios.

Alguns licitantes podem parecer que são diferentes, mas na verdade são os mesmos. Procure nomes, números de telefone e endereços idênticos. A linguagem semelhante nas propostas, até mesmo fontes e erros idênticos, podem ser pistas. Às vezes, os licitantes vencedores inventam empresas inexistentes para dar a impressão de competição. (Para mais informações, consulte a página do IACRC sobre esquemas de licitação fraudulentos.)

O custo dos produtos provou ser a área ideal para investigação de contratos da covid-19.


Imagem: Pixabay

Exemplos

A ProPublica produziu uma reportagem depois que uma análise dos dados de contratação federal mostrou que um contrato de grandes proporções foi o primeiro da empresa contratada "e foi concedido sem a condição destinada a eliminar empresas que não podem realizar a tarefa em questão".

O The Intercept Brasil relatou um contrato firmado sem que houvesse concorrência pública para a compra de máscaras, mostrando que elas eram 67% mais caras que as de uma empresa que já fornecia ao governo federal

Na ilha italiana da Sardenha, o governo pagou preços altos por 4 milhões de máscaras, relatou o Il Fatto Quotidiano.

O aumento do preço dos respiradores no Paraguai foi monitorado pelo Centro Latino-Americano de Jornalismo Investigativo (CLIP, na sigla em espanhol).

A Rede de Jornalistas da América Latina para a Transparência e Anticorrupção (PALTA) está trabalhando em reportagens em sete países, usando dados de contratos abertos.
 

Investigação sobre os contratados e funcionários do governo

Existem muitos motivos para investigar as empresas e consultores contratados. Os problemas mais óbvios são ligações com funcionários do governo, de baixo escalão até altos cargos, no passado ou no presente. No contexto da covid-19, alguns fornecedores são prestadores de serviços despreparados ou intermediários que sequer controlam os materiais.

As sugestões abaixo foram retiradas de uma lista do IACRC de etapas necessárias para a verificação de antecedentes dos investigados.

Perguntas a serem feitas:

  • A empresa possui qualificação / experiência / legitimidade?
  • A empresa já teve problemas formais?
  • Qual é a sua reputação e seu histórico de negócios?
  • A empresa tem capacidade para fazer o trabalho?
  • Tem alguma experiência anterior na área?
  • Quais indivíduos, executivos e funcionários estão envolvidos? (Todas as perguntas acima sobre habilidades e reputação também se aplicam aos responsáveis.)


Onde procurar por informações

Em uma investigação, as autoridades corporativas e governamentais relevantes em busca de possíveis conexões suspeitas devem ser observadas por vários ângulos.

Buscar tanto as empresas quanto os funcionários por meio do Google e de pesquisas em redes sociais é um bom começo. (Aprenda a usar pesquisas avançadas no Google - não é tão difícil. Veja a seção do Help Desk da GIJN, em inglês). Mas o que mais?

Em alguns países, as divulgações financeiras são feitas por funcionários do governo. Mas, na maioria das vezes, e especialmente se houver algum indício de que há corrupção no momento, os laços são intencionalmente mantidos em segredo. A página de recursos da GIJN sobre Divulgação de posse é um bom material de apoio.

Os interesses comerciais de funcionários do governo e de seus parentes e associados devem ser investigados.


Imagem: Pixabay

Em relação aos contratantes, é recomendável verificar se eles já foram excluídos de algum processo de licitação no passado.

Os registros nacionais, se existirem, ou os de organismos internacionais, como o Banco Mundial, Banco Africano de Desenvolvimento, Banco Asiático de Desenvolvimento e Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura também devem ser observados.

Os documentos oficiais da empresa, como documentos de formação, para saber mais sobre os proprietários, suas finanças e há quanto tempo estão no mercado são também informações relevantes.

Quais outras licitações governamentais essas empresas ganharam. Qual é a reputação delas com os clientes? Foram feitas reclamações a agências governamentais?

Mais uma vez, além de olhar para documentos, recomenda-se conversar com pessoas. Isso pode incluir empresários concorrentes, funcionários, ex-funcionários, clientes, ex-clientes e especialistas do setor.

“Ligue e faça uma visita surpresa às instalações da empresa suspeita ...” sugere o IACRC em sua página sobre “interesses ocultos”.

A GIJN oferece uma ferramenta para isso: Pesquisando Corporações e Seus Proprietários.


Exemplos

Esta investigação do Важные истории (que significa Histórias Importantes em russo) descobriu que os contratos para compra de equipamentos de ventilação na Rússia foram concedidos a empresas desconhecidas com líderes duvidosos.

Nos Estados Unidos, o The Washington Post descobriu que um contrato de 55 milhões de dólares para máscaras N95 foi feito com a Panthera Worldwide LLC, uma empresa sem histórico de fabricação ou aquisição de equipamentos médicos, “de acordo com uma análise de registros produzidos como resultado de disputas legais envolvendo a empresa e suas afiliadas".

Dois empresários italianos acusados ​​de fraude conseguiram contratos com o governo para fornecer equipamentos de proteção ao poder público em meio à crise causada pela disseminação do covid-19 no país, segundo o Projeto de Jornalismo Investigativo na Itália.

Zdravko Ljubas, do Projeto de Reportagem sobre Crime Organizado e Corrupção revelou que um contrato foi assinado com uma fazenda de framboesa da Bósnia para compra de ventiladores.

Meio bilhão de dólares em aventais médicos: como a fabricante de fios que hospedou o vice-presidente norte-americano Mike Pence ganhou um contrato gigante, por Courthouse News.


De olho nos Termos do Contrato

Os documentos de um contrato contém detalhes importantes, possivelmente incluindo especificações, valores unitários e critérios de avaliação de desempenho.

Outra questão a observar é se há diferença entre o valor mencionado no contrato e o valor mencionado no concurso.

A partir daí, os prazos podem ser conferidos.

A não divulgação do contrato é um grande sinal de alerta.


Exemplo

Repórteres do Oštro na Eslovênia descobriram que o licitante vencedor para um contrato de equipamentos de proteção foi “um poderoso empresário com investimentos em jogos de azar, eletrônicos e imóveis, mas sem experiência em saúde”. Além disso, o artigo ainda afirma que não há menção a "equipamentos de proteção" no contrato.


Acompanhamento do desempenho

No contexto da covid-19, muita atenção foi dada para saber se os ventiladores e os equipamentos de proteção individual chegaram aos hospitais a tempo.

Para acompanhar a execução do contrato, pode ser útil entrevistar funcionários do governo ou verificar se existem relatórios oficiais de desempenho, mas é mais provável que as melhores fontes sejam as pessoas afetadas.

Procure por:

  • Tempo de entrega.
  • Qualidade do produto, serviços.
  • Pagamento sem entrega.
  • A qualidade da supervisão do governo. Quem está cuidando disso? Existem conflitos de interesse?


Exemplos

As autoridades de saúde espanholas devolveram um lote de testes de diagnóstico rápido adquiridos de um fabricante chinês depois de os mesmos não se mostrarem confiáveis, de acordo com uma reportagem do El Pais.

The Guardian relatou problemas em um centro de testes no Reino Unido.

The Washington Post investigou um esforço infeliz da Casa Branca para obter suprimentos, liderado pelo genro do presidente Trump, Jared Kushner.


Mudanças em contratos indicam problemas

“Pedidos de alteração” - emendas aprovadas após a assinatura do contrato - alteram os termos do contrato. Eles podem ser necessários, mas também são um lugar conveniente para irregularidades ou indícios de mau planejamento.

O IACRC alerta sobre estes sinais em pedidos de alterações:

  • Aumentar o valor de um contrato sem justificativa ou documentação adequada.
  • Aumentar o valor de um contrato de “fonte única” acima do limite para um contrato do gênero. 
  • Alteração acontece logo após a concessão para um lance baixo, aumentando o preço do contrato e tornando-o mais alto que o valor dos outros lances.
  • As mudanças são aprovadas desproporcionalmente para determinados contratados, ou seja, alguns contratados recebem vários pedidos de alteração questionáveis, enquanto outros não.

Outra área a observar, se possível, é o processo de pagamento. O guia do IACRC disponibiliza referências sobre faturas questionáveis e documentação de pagamento. Para detectar esses problemas, documentos relevantes podem incluir faturas e documentos comprobatórios, relatórios de conclusão de trabalho e relatórios de inspeção.

As alterações também são usadas para ajustar as datas de entrega, especialmente em situações críticas de emergência.


Usando dados de compra

Padrões podem ser descobertos usando dados de aquisição, tendo em mente que o trabalho será feito com informações incompletas que vêm de bancos de dados desconexos.
As possibilidades incluem:

 

  • Comparar o custo de itens específicos.
  • Avaliar as quantidades compradas.
  • Identificar a rede de fornecedores.
  • Mostrar o desempenho de entrega.
  • Compilar as despesas totais.
  • Analisar quando as informações sobre licitações, concessões e contratos foram publicadas.

Nota: Esta pode ser uma ótima área para reportagens colaborativas, talvez ao procurar por diferenças regionais.

Grupos de cidadãos na África estão demonstrando o valor da reportagem coletiva sobre como os fundos para a covid-19 estão sendo gastos, o resultado desse trabalho pode ser visto aqui.


Exemplos

Como os meios de comunicação latino-americanos estão colaborando nas investigações da covid-19.

OjoPúblico, The Intercept e El Mercurio do Equador criaram um banco de dados das 110 empresas mais importantes que vendem kits de teste de detecção da covid-19 e rastrearam as compras do Peru.


Captura de tela: OjoPúblico


Raspagem de dados

Em alguns países, os dados de compra podem ser baixados ou acessados por meio de uma Interface de Programação de Aplicativos (API, na sigla em inglês). Essas mudanças estão sendo impulsionadas por organizações que trabalham defendendo a "contratação aberta", como o OCP.

Este documento - Monitorando as compras de emergência da covid-19 com Dados - de Camila Salazar do OCP, é o melhor lugar para começar. Salazar analisa o uso de dados do governo, citando exemplos na Colômbia e no Chile.

Outro documento do OCP fornece orientação passo a passo sobre como acessar e analisar o painel de informações sobre a Covid-19 da Ucrânia.

Ela também fala sobre como estruturar seu próprio banco de dados, sugerindo o uso do Padrão de Dados de Contratação Aberta (OCDS). O Diretório de ferramentas de contratação aberta do OCP mostra ferramentas de software que podem ser usadas para criar, usar, visualizar ou analisar dados OCDS.

Para obter ajuda técnica sobre assuntos como raspagem de dados, consulte o Centro de Recursos de Jornalismo de Dados da GIJN. Ideias de visualização de dados estão contidas na newsletter de mar.2020 da They Buy for You, uma ONG europeia que trabalha com políticas de contratação.

Na ausência de dados oficiais para download, os repórteres devem considerar a criação de seus próprios bancos de dados. Mesmo um simples exercício de compilar preços comparativos para um produto, como máscaras, pode render uma história.

Na Nigéria, o grupo Follow the Money criou um banco de dados com informações sobre doações para combater a disseminação da covid-19 e acompanha os gastos.

Nos Estados Unidos, a ProPublica tornou público seu banco de dados de contratos para acessos e pesquisas.

Uma ferramenta desenvolvida pela organização não governamental They Buy It for You tem como objetivo detectar padrões e anomalias nos dados de gastos.


Exemplos

La Silla Vacía descobriu preços inflacionados em compras de alimentos por municípios na Colômbia.

Os governos estaduais e municipais nos EUA obtiveram cerca de 30 milhões de doses de um medicamento contra a malária endossado pelo presidente Trump para tratar pacientes com covid-19, apesar das advertências dos médicos de que mais pesquisas são necessárias, descobriu a Associated Press.

A Dataphyte na Nigéria analisou quais recursos poderiam ser comprados para cada estado com os gastos projetados do governo.

O estado de nova York gastou 686 milhões de dólares em suprimentos médicos, de acordo com uma revisão do Rochester Times Union dos registros estaduais disponíveis.

O The Guardian informou que 50 milhões de dólares foram para empresas de combustíveis fósseis com vínculos com a administração Trump.

“As agências federais contrataram empresas sem experiência para fornecer respiradores e máscaras, alimentando um mercado negro dominado por preços inflacionados e várias camadas de intermediários lucrando”, relatou a ProPublica.

O repórter J. David McSwane descreveu no artigo que o ponto de partida para a história foi uma análise da ProPublica de dados de contratação que mostrou que o grande contrato foi o primeiro de uma das empresas.

Um olhar mais atento sobre os contratados pelo governo por causa da covid-19 revela inexperiência, acusações de fraude e um negociante de armas. Esta investigação da ProPublica nos dados do governo revelou que a administração Trump “prometeu pelo menos 1,8 bilhão de dólares para 335 empresas que nunca haviam sido contratadas, muitas vezes sem licitação ou verificação de antecedentes”.


Não se esqueça do lobby

Os esforços para influenciar o governo andam de mãos dadas com os gastos do governo, fornecendo uma justificativa extra para monitorar as atividades de lobby e suas despesas.


Exemplos

A National Public Radio nos Estados Unidos descobriu que: “Gilead Sciences, a farmacêutica por trás do remdesivir, remédio experimental para o tratamendo da covid-19, gastou mais em lobby no Congresso e na administração no primeiro trimestre de 2020 do que nunca, de acordo com relatórios federais”. 

No Canadá, a ONG Democracy Watch descobriu que o governo de Ontário permitiu que as empresas “fizessem lobby secretamente” ao convidá-las a solicitar mudanças temporárias nas leis durante a pandemia de covid-19.

Depois de um tweet para o presidente Trump, este homem ganhou 69 milhões de dólares de Nova York para fornecer ventiladores, foi o título de uma matéria do BuzzFeed sobre um contrato do estado de Nova York com uma empresa com "nenhuma experiência aparente em contratos governamentais ou dispositivos médicos".

A Plaza Pública usou o portal de compras públicas da Guatemala para identificar empresas com vínculos suspeitos com o vice-ministro da saúde.


A transparência também pode render história

Também vale a pena cobrir as dificuldades para obter informações sobre compras. Especialmente onde essa informação não está disponível.

Isso pode incluir a análise de regras especiais que bloqueiam a liberação de informações, restrições ao processamento das solicitações de LAI e recusa no fornecimento de informações específicas.


Exemplos

Os estados mais afetados no Brasil são os menos transparentes a respeito de seus gastos com a pandemia, segundo reportagem da Folha de S.Paulo.

O Direkt36, na Hungria, apontou inúmeras lacunas de informação neste artigo, que também revela que a empresa do pai de um consultor do Ministério de Inovação e Tecnologia conseguiu um contrato para máscaras. “Na maioria dos casos, o tipo exato, o preço e o fabricante dos produtos entregues não foram divulgados”, diz o artigo.

Empresas receberam 1 bilhão de libras de contratos estaduais sem licitação durante a crise da covid-19, de acordo com uma contagem feita pelo The Guardian.

A Bloomberg e o The Los Angeles Times relataram que a administração Trump se recusa a divulgar detalhes de uma cadeia de suprimentos médicos conhecido como Project Air Bridge, administrado pelo genro de Donald Trump, Jared Kushner.

No Japão, Mainichi escreveu que o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar se recusou a divulgar o nome de uma das quatro empresas que fornecem máscaras de tecido para mulheres grávidas, “levantando suspeitas sobre o que está por trás dessa não divulgação”.

Na Nigéria, o Dataphyte escreveu sobre as doações feitas ao governo, enfatizando que as autoridades não divulgaram detalhes sobre os gastos.


Rastreando a ajuda fornecida por organizações internacionais

O Banco Mundial e outras instituições de desenvolvimento forneceram subsídios, empréstimos e alívio da dívida para ajudar os países afetados pela covid-19.

Os fundos adicionais são geralmente distribuídos por meio de sistemas de compras nacionais, não através das próprias instituições internacionais. No entanto, as instituições exercem influência no processo de aquisição e podem fornecer alguma supervisão sobre como o dinheiro é gasto.

ONGs expressaram preocupação sobre o potencial de fraude e corrupção, já que os procedimentos de compra estão sendo realizados com muita rapidez. Aparentemente, alguns países estão implementando reformas para controlar e monitorar os gastos.

O que isso significa para aqueles que monitoram os gastos do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e das agências de desenvolvimento regional? Seus sites incluem documentos que descrevem os níveis gerais de financiamento e as condições dos empréstimos e subsídios. Nos documentos sobre o financiamento de cada país, podem surgir pistas para reportagens. No entanto, conforme descrito a seguir, há limites na transparência fornecida pelas organizações internacionais. Aprender como o dinheiro deles é gasto requer pesquisas em cada país.

A Devex acompanhou os gastos internacionais, relatando aqui que “entre 01.jan.2020 e 24.mai.2020, foram anunciadas 1.714 atividades de financiamento com mais de 15,9 trilhões de dólares para a luta contra a covid-19”. A Devex, que reporta sobre questões de desenvolvimento global, mantém um banco de dados sobre o assunto.

Enfatizando a dificuldade de rastrear o dinheiro, a plataforma escreveu que "a falta de transparência e responsabilidade em relação aos anúncios de financiamento torna difícil saber quem é responsável pela entrega desses fundos, como e onde estão sendo entregues e a quem visam beneficiar." Eles realizaram um seminário sobre o assunto.


Rastreando financiamentos do Banco Mundial

Cerca de 160 bilhões de dólares em financiamento estão vindo do Banco Mundial, que produz documentos sobre os gastos projetados. A página do Banco sobre a covid-19 está aqui. Veja também este documento que descreve o projeto da organização para combater o coronavírus.

Para pesquisar países específicos, acesse a página de pesquisa avançada do Banco, que disponível em vários idiomas.

Insira “Covid-19 Response” no bloco de palavras-chave e selecione um período de tempo. Escolha o país desejado, mas não selecione o tipo de documento. Há uma variedade de documentos: Documento de Informações do Projeto, o Plano de Engajamento das Partes Interessadas, o Plano de Responsabilidade Social e Ambiental, o Documento de Avaliação do Projeto e o Plano de Compras. (Ao alterar sua pesquisa, não se esqueça de desmarcar os itens escolhidos anteriormente.)

O melhor documento geral é provavelmente o Documento de Avaliação do Projeto. Mas o Plano de Aquisições detalha o processo, com textos e gráficos esmiuçando os componentes da concessão.

Os países usam seus próprios sistemas de compra, potencialmente obtendo ajuda de especialistas do Banco Mundial, que lançou a Iniciativa de Fast-Track da covid-19 no início de abr.2020 e preparou um conjunto de modelos e orientações, incluindo medidas para compras rápidas. “Um governo que seja cliente do Banco Mundial agora pode escolher entre vários processos otimizados e simplificados, e os contratos agora estão sujeitos a uma revisão ex-post para acelerar as aquisições”, de acordo com um post no blog.

Outros fundos são para ajudar empresas privadas afetadas pela pandemia, mas a identidade dos beneficiários não foi divulgada. Nem o que eles planejam fazer com os fundos, que estão sendo distribuídos pela Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês). Para obter mais detalhes, consulte este artigo de Christian Donaldson, consultor sênior de política econômica do escritório da Oxfam International em Washington.


Falta de transparência nos fundos do FMI

O Fundo Monetário Internacional está fornecendo financiamento de emergência e alívio da dívida. Veja as explicações das iniciativas aqui. Para obter informações por país, consulte a página de acompanhamento do FMI.

No início de mai.2020, um grupo de 99 ONGs enviou uma carta incentivando o FMI a "aplicar transparência e medidas anticorrupção a todos os empréstimos, como exigir que os governos realizem auditorias independentes e publiquem planos de aquisições, incluindo os nomes e proprietários de todas as empresas vencedoras de contratos”.

“Notamos um aumento nas medidas anticorrupção incluídas nas Cartas de Intenções”, disse Sarah Saadoun, da Human Rights Watch.

Um informativo do FMI diz, entre outras coisas, que o Fundo pediu aos países membros que solicitaram assistência de emergência que se comprometam a (i) melhorar os relatórios sobre gastos relacionados à crise (ii) realizar e publicar auditorias independentes de despesas relacionadas à crise (iii ) garanta a transparência das aquisições… Ele lista vários países que fizeram tais promessas: incluindo Gabão, Moldávia, Nigéria, Afeganistão, Bolívia, República Dominicana, Quirguistão, Mauritânia, Paquistão e São Tomé e Príncipe. (Os links vão para documentos do FMI. A página de pesquisa de documentos do FMI está aqui.)

Todos os fundos de emergência aprovados pelo FMI podem ser vistos aqui. Demora alguns dias para os documentos com cartas de intenção (onde estão os compromissos) serem colocados no site, mas sempre que é feito o upload, é lançado um comunicado de imprensa em seguida. O FMI também tem uma lista da política de respostas dos países, em constante atualização.


Banco Asiático de Desenvolvimento

Veja listas de projetos aqui, com links para documentos.

O documento principal é o Manual de Administração do Projeto, como este para Bangladesh. Os procedimentos de aquisição de emergência são descritos na Seção VI. O risco de compra é classificado como “Alto”.


Outras fontes de informação

O Early Warning System da International Accountability Project (IAP) tem uma página sobre financiamento por causa da covid-19. Role para baixo no gráfico à direita ou use o mapa para explorar.


Captura de tela do projeto Early Warning System da International Accountability Project

O Centro para o Desenvolvimento Global (CGD) escreveu sobre a dificuldade de se rastrear esse tipo de financiamento nesta postagem de seu blog.

Para um resumo do financiamento das principais organizações internacionais, públicas e privadas, consulte este quadro elaborado pela CGD.


Mais sugestões de leitura

Covid-19 e investigação de contratos / um guia de como fazer, uma apresentação de slides do OCP.

Dicas para monitorar gastos com compras públicas durante a pandemia de covid-19, igualmente do OCP. Também uma planilha com possíveis sinais de alerta.

Mais de 30 sinais de corrupção estão contidos nesta lista do IACRC, com sede em Washington. Outras publicações discutem os indícios comuns de fraude durante a implementação e testes preventivos para detectar fraude.

Uma compilação semelhante de 42 sinais de alerta está em uma tabela na página 26 de um relatório sobre o uso de dados para localizar corrupção, preparado pelo OCP e pelo Development Gateway.

Oito sinais de alerta foram usados em uma análise de projetos do Banco Mundial pela Global Integrity. Veja um resumo do Banco Mundial de 11 Sinais de Alerta de Fraude e Corrupção em Aquisições.

Doze sinais de alerta: riscos de corrupção na concessão de licenças e contratos do setor de extração, um manual do Instituto de Governança de Recursos Naturais. 

O Guia para idiotas de como saquear compras públicas e enriquecer rapidamente é uma leitura divertida da OCP.

Indicadores para diagnosticar o desempenho de um mercado de compras, guia técnico do OCP para analisar o estado geral de um sistema de compras do governo.


Boas fontes de consulta

O helpdesk da OCP pode ajudar com questões se o repórter estiver trabalhando em uma investigação de interesse público. Mande um e-mail para [email protected] ou [email protected].

O OCCRP está trabalhando muito nesta área e oferece ajuda aos jornalistas. Na luta da Europa para comprar suprimentos covid-19, medidas anticorrupção desaparecem, um artigo de 21.abr.2020 de Ilya Lozovsky da OCCRP, oferece uma visão geral entusiasmada e informativa da cena pública.

Jornalistas também podem pedir ajuda no Helpdesk da GIJN.

Toby McIntosh é consultor sênior do Centro de Recursos da GIJN. Ele trabalhou na Bloomberg BNA em Washington por 39 anos. Também é ex-editor da FreedomInfo.org (2010-2017), onde escreveu sobre as políticas da liberdade de informação em todo o mundo. Seu blog é eyeonglobaltransparency.net.

Produzido por Global Investigative Journalism Network

Traduzido por Ana Beatriz Assam

Assinatura Abraji
Notas

Toby McIntosh