- 07.09
- 2020
- 15:12
- Abraji
Liberdade de expressão
Dallagnol usa Justiça Especial Cível para processar Reinaldo Azevedo
O jornalista Reinaldo Azevedo, colunista da Folha de S. Paulo, da Band News e do UOL, está sendo processado pelo procurador Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Operação Lava Jato em Curitiba, na Justiça Especial Cível (JEC) da capital paranaense. A sentença assinada pela juíza leiga Maryah Amaral Schroeder em 26.ago.2020 e homologada pela juíza Sibele Lustosa condena Azevedo a pagar indenização de R$ 35 mil ao procurador em razão de matérias jornalísticas ofensivas à honra do demandante.
Dallagnol apresentou a petição inicial ao 6º Juizado Especial Cível de Curitiba no dia 24.jun.2020, na qual faz referência a cerca de 50 publicações de Azevedo, de 2017, "que (a pretexto de se opor à Operação Lava Jato) procuram de modo mais ou menos evidente (por meio de analogias degradantes, de sarcasmos ou de ofensas) abalar a honra do autor".
O advogado de Reinaldo Azevedo, Alexandre Fidalgo, apresentou contestação ao JEC um mês depois. Nela, diz que algumas reportagens que Dallagnol lista na petição inicial teriam o direito de pedido de indenização prescrito devido ao prazo de três anos desde a data da publicação original, fato que a juíza Schroeder considerou em sua sentença.
Isso não impediu, no entanto, que a juíza fixasse o pagamento de indenização, argumentando que "informações e críticas descompromissadas com a verdade dos fatos, que ofendam direitos de personalidade e/ou que caracterizem crimes contra a honra (injúria, calúnia ou difamação) ultrapassam o interesse público, configurando abuso. Assim, uma vez evidenciado que a matéria de cunho jornalístico extrapola o dever de informar, restam configurados a conduta ilícita (art. 186 do Código Civil e 187) e o consequente direito à reparação civil".
A defesa do jornalista interporá recurso à própria JEC. Caso a sentença seja confirmada, o único caminho é apresentar um recurso extraordinário ao STF. Assim como seu cliente, Alexandre Fidalgo considera inadequada a eleição da JEC para tratar de assuntos de dignidade exclusivamente constitucional. "Se existisse coerência de princípio e valor jurídico, em hipótese alguma poder-se-ia distribuir uma ação dessa natureza nos juizados com finalidade de processar demandas de pouca complexidade. Veja que, pelo sistema jurídico brasileiro, a juíza de pequenas causas pode considerar determinada norma inconstitucional. Ou seja, para o autor, uma juíza de pequenas causas pode declarar inconstitucionalidade de norma", argumentou.
Fidalgo relembrou um caso emblemático, de 1982, em que o jornalista Ricardo Kotscho foi condenado criminalmente por ter apontado a existência de amizade entre um juiz, autor da ação, e um traficante de drogas. "Foi provada a relação e, mesmo assim, houve a condenação. Passam-se os anos e o modus operandi continua igual", pontuou. Ele aposta, porém, na correta interpretação da Constituição Federal, já fornecida pelo STF, "cuja decisão (ADPF 130) tem eficácia vinculativa e atinge a todos, inclusive ao autor".
"O procedimento nos Juizados Especiais Cíveis tem sido cada vez mais utilizado em questões que se referem à liberdade de expressão, causando enorme desvantagem para os réus, normalmente jornalistas pessoas físicas", disse a advogada Taís Gasparian, especialista em questões de liberdade de expressão e de imprensa. Uma das especificidades do JEC é que o réu é obrigado a comparecer às audiências, sob pena de revelia – em que são tidos por verdadeiros os fatos alegados pelo autor da ação, caso o réu não compareça aos atos processuais.
Gasparian disse que é cada vez mais comum o uso desse procedimento para constranger jornalistas, naquilo que passou a se chamar de assédio judicial. "O caso mais notório é o que foi protagonizado pela Igreja Universal contra a jornalista Elvira Lobato. Por conta de uma reportagem da jornalista, divulgada pela Folha de S.Paulo, em que mencionava bens e serviços de comunicação da Igreja, mais de 100 fiéis ingressaram com processos, nos locais mais retirados do país, sob o procedimento dos JECs", relembrou.
Em artigo publicado no UOL em 05.set.2020, Azevedo disse que o fato de Dallagnol ter escolhido processá-lo na JEC, e não na Justiça comum, onde as chances de defesa são maiores, pode abrir um precedente perigoso para a liberdade de imprensa. "Homens públicos que se sentirem ofendidos com textos publicados por jornalistas terão um caminho: recorrer à Justiça Especial Cível com uma ação por danos morais. Escolhendo a dedo, o querelante obterá o resultado esperado."
Além disso, em coluna publicada na Folha em 04.set.2020, Azevedo revelou que a juíza Lustosa, que homologou a sentença, é mulher do procurador da República Daniel Holzmann Coimbra, que trabalha com Dallagnol. "Parece-me certo — razão por que submeto o caso ao escrutínio de leitores, juízes do Paraná, do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça — que Sibele deveria ter-se dado por suspeita para julgar o caso", escreveu.
Dallagnol afirmou em nota que não tem relação com Coimbra e que soube pela imprensa que Lustosa era sua mulher. “As especulações do jornalista sobre suspeição não têm qualquer base na realidade ou na lei”, argumentou o procurador.
Foto: Arquivo pessoal