- 29.12
- 2022
- 12:04
- Rafaela Sinderski
Formação
Liberdade de expressão
Acesso à Informação
Ataques misóginos a mulheres jornalistas triplica no período pós-eleição
A versão em inglês dessa matéria está aqui. This article is also availabe in english.
No Brasil de 2022, o período pós-eleições ganhou ares de paradoxo: ainda que siga a expressão máxima da democracia, foi marcado por ameaças ao próprio sistema democrático, da contestação dos resultados aos duros ataques à imprensa – em especial às mulheres jornalistas. De 30 de outubro, data do segundo turno presidencial, a 8 de dezembro, houve 39 agressões contra comunicadoras, 79,5% relacionadas à cobertura política.
Nesse contexto, chamam a atenção as expressões explícitas de violência de gênero. Uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) revela que o uso de “vaca”, “vadia” e “vagabunda” para ofender mulheres jornalistas cresceu 300% no Twitter em comparação com os 40 dias anteriores ao início da campanha eleitoral, que começou em 16 de agosto. O dado denuncia a forte relação entre o contexto político brasileiro, bastante antagônico, e a misoginia contra profissionais da imprensa.
Os números são preocupantes, mas não surpreendem. Refletem o cenário violento que se estabeleceu desde o período de campanha eleitoral, quando esse tipo de ataque misógino encontrou seu ápice. Nos 40 dias que antecederam o segundo turno, os “três vês” foram usados 65 vezes contra comunicadoras, 983% mais do que no período pré-eleitoral. Esse recorte temporal inclui a data do primeiro turno, 2 de outubro de 2022.
Características dos ataques
“Vaca” foi o termo mais utilizado e representou 67,7% dos ataques machistas feitos no Twitter durante e depois do período de campanha. Grande parte dos discursos misóginos está conectada às manifestações antidemocráticas que contestam a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no pleito presidencial, com 50,8% dos votos. Seguidores do atual presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado nas urnas, são os principais agressores. Isso é verdade também para os ataques gerais a mulheres jornalistas. Dos 39 casos de ameaças, agressões físicas, intimidações e discursos estigmatizantes registrados pela Abraji nos 40 dias após a eleição, 84,6% tiveram o envolvimento de apoiadores de Bolsonaro.
Apesar de a violência de gênero on-line ter vitimado diversas comunicadoras, algumas despontam como alvos frequentes. Barbara Gancia, colunista da Folha de S. Paulo, Vera Magalhães, de O Globo/TV Cultura, Eliane Cantanhêde, do Estado de S.Paulo/GloboNews, Leilane Neubarth, da GloboNews, e Daniela Lima, da CNN Brasil, receberam, juntas, mais de 80% das ofensas identificadas. Em um caso recente, Neubarth teve uma foto do neto retuitada por um comentarista político de viés conservador. A postagem incitou ataques à jornalista e expôs a criança à agressividade dos internautas.
Em 42% do total de agressões machistas, as palavras “vaca”, “vadia” e “vagabunda” foram acompanhadas de outros adjetivos ofensivos. Os mais comuns foram “velha”, que apareceu em 21,6% dos tweets com mais de um termo hostil, “puta” (10,8%), “podre” (10,8%), “feia” (8,1%), “lixo” (8,1%) e “escrota” (8,1%). Ao todo, foram registradas mais de 40 expressões estigmatizantes e quase metade está ligada ao gênero, com menções à aparência e sexualidade.
Esses dados tornam explícita a diferença entre os ataques a homens e mulheres jornalistas. Quando eles são alvos de discursos estigmatizantes, os termos ofensivos mais comuns são "militante", "esquerdista", "mentiroso" e "parcial" – palavras relacionadas, sobretudo, à atividade jornalística. Qualificações de cunho político, como “petista” (5,4%) e “militante” (5,4%), também foram utilizadas para atingir profissionais mulheres. Mas, para elas, o gênero é um elemento extra, que dá outra dimensão aos ataques. Além disso, 5,6% dos comentários misóginos continham ameaças de violência física.
Metodologia
Para realizar a pesquisa, a Abraji analisou 483 tweets que continham a palavra “jornalista” combinada aos termos “vagabunda”, “vadia” ou “vaca”. A coleta dos dados se concentrou em três intervalos temporais: o período pré-eleitoral, de 7 de julho a 15 de agosto, pré-segundo turno, de 20 de setembro a 29 de outubro, e pós-segundo turno, de 30 de outubro a 8 de dezembro.
Os dados sobre as agressões gerais a mulheres jornalistas são resultado parcial do monitoramento da Abraji de ataques a profissionais da imprensa, realizado de forma sistemática desde 2019. A organização é parceira da rede Voces del Sur (VdS), que acompanha casos de violações às liberdades de imprensa e expressão no Brasil e em outros países da América Latina.
Em 2021, a Abraji deu início ao monitoramento de violência de gênero contra jornalistas, com apoio do Global Media Defense Fund, da UNESCO. Os achados de 2021 (em inglês) e os dados parciais de 2022 (em português) podem ser encontrados no site do projeto.
Atualizado em 17.jan.2023, às 13h20.