Abraji cobra esclarecimentos do Ministério da Mulher sobre investigação contra The Intercept Brasil e portal Catarinas
  • 16.07
  • 2022
  • 16:10
  • Abraji

Liberdade de expressão

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Abraji cobra esclarecimentos do Ministério da Mulher sobre investigação contra The Intercept Brasil e portal Catarinas

Nesta sexta-feira, 15.jul.2022, foi revelado pela imprensa que o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos decidiu pedir a abertura de investigações sobre o procedimento de aborto legal realizado por médicos de Santa Catarina em uma menina de 11 anos vítima de estupro. Dentre os alvos das investigações estaria também o site The Intercept Brasil por ter publicado uma reportagem em parceria com o Portal Catarinas, que divulgava o caso e trechos do depoimento prestado pela menina à justiça. 

O requerimento do Ministério foi encaminhado aos órgãos do Sistema de Justiça e ao Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina a fim de “apurar a responsabilidade cível e criminal do site The Intercept por veicular as imagens e o áudio do depoimento especial sigiloso”. O site não recebeu nenhuma  intimação ou comunicação sobre o procedimento e soube da medida após reportagem da TV Globo.

O caso revelado pelo site e pelo portal Catarinas comoveu o país, depois de a juíza Joana Ribeiro ter negado o pedido de autorização para a interrupção da gravidez, o que é um direito legal da criança por dois critérios do aborto legal: gestação fruto de estupro e com risco de morte para a mãe. Atualmente a juíza é investigada pelo Conselho Nacional de Justiça em procedimento sigiloso. A criança conseguiu realizar o procedimento médico, depois da mobilização nacional e de uma manifestação favorável do Ministério Público. 

Os documentos a que a TV Globo teve acesso mostram que o Ministério, por meio da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (SNDCA), começou a atuar de ofício no caso, emitindo nota técnica que, a princípio, se justifica no intuito de acompanhar as violações de direitos sofridos pela criança e apurar se houve revitimização por meio da divulgação midiática. Mas traz como recomendações “apurar a responsabilidade cível e criminal do The Intercept, por veicular as imagens e o áudio do depoimento especial sigiloso” e “apurar a responsabilidade cível e criminal da equipe médica que realizou o procedimento de aborto na 29ª semana de gestação”, com encaminhamento para órgãos da Justiça e os Conselhos Federal e Regional de Medicina. 

A Consultoria Jurídica do Ministério se manifestou para encaminhar o caso à Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH). Em nota, a Ouvidoria informou ter recebido centenas de denúncias pelo Disque 100 e ter agido com o objetivo de “responder às demandas apresentadas pelos denunciantes e pela ampla elucidação dos fatos”. A nota, no entanto, não menciona o caso do site The Intercept ou qualquer denúncia feita a respeito da reportagem publicada. 

A Abraji encaminhou ofício ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos pedindo explicações “em relação ao teor das investigações solicitadas sobre o site The Intercept Brasil, bem como a origem e fundamentação de tal ato administrativo”. O documento também destaca que a prática coloca em risco os direitos constitucionais da liberdade de expressão e de imprensa e ameaça a proteção do sigilo da fonte, também previsto na Constituição Federal, como premissa para o exercício do jornalismo. 

A publicação das informações pelo Intercept atende à vocação e à obrigação do jornalismo de fiscalizar o poder público e denunciar o descumprimento de direitos. Vale destacar que a reportagem zelou pela preservação da identidade e da intimidade da criança e de sua família. A postura de um governo que entende e respeita o papel da imprensa na manutenção das instituições democráticas não condiz com o andamento de tais investigações ou providências. O sigilo da fonte e a proteção da liberdade de expressão com especial status constitucional isentam os jornalistas das responsabilidades de sigilo processual, tendo em vista o interesse público, a proteção dos dados e da privacidade e a verificação dos fatos. 

Diretoria da Abraji, 16 de julho de 2022
 

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