- 24.06
- 2020
- 17:55
- Abraji
Liberdade de expressão
Abraji assina carta conjunta que pede adiamento da votação do PL das fake news
Sob a pretensa necessidade e urgência na regulação da desinformação, o Senado incluiu na pauta de votação de amanhã, 25.jun.2020, o PL 2630/20, de iniciativa do senador Alessandro Vieira. Em continuidade a outras tentativas de aprovação do PL que ficou conhecido como o PL das Fake News, o novo texto do relator Angelo Coronel desafia o espírito democrático legislador ao impor restrições excessivas para o uso de redes sociais e aplicativos de mensagens privadas, além de propor alterações em total divergência com as sugestões da sociedade civil e da academia.
Isso tem provocado a reação de organizações de direitos humanos no Brasil e no mundo. O que se discute no projeto é a regulação e criminalização de temas que implicam restringir um direito fundamental, a liberdade de expressão, garantida pela Constituição Federal. Tal regulação exige cuidado, transparência e debate público para incorporar ao ordenamento jurídico uma lei revestida de legitimidade, que reflita o contexto social da disseminação de desinformação e do uso da internet e que ofereça respostas adequadas para enfrentar o problema. A tramitação de um projeto de lei que implique tais limitações se torna opaco, quando realizada no contexto de pandemia.
Segue, portanto, o posicionamento de 47 entidades nacionais e internacionais sobre o PL, entre as quais a Abraji. Aqui o link para o comunicado em inglês e em espanhol.
Um projeto de lei sobre desinformação será votado na próxima quinta-feira (25), no Brasil. A proposta foi apresentada em abril, em plena pandemia do Covid-19, e passou por diversas modificações. O texto final que será analisado pelo Congresso é, no entanto, ainda incerto. A falta de transparência é um agravante a mais de um processo marcado por restrições à participação das múltiplas partes interessadas e por propostas legislativas mal formuladas, que podem implicar em sérios riscos à liberdade de expressão e à privacidade.
Versões anteriores do texto e posições públicas de legisladores sobre o tema mostram abusos na criminalização de práticas comuns, definições vagas e amplas, e requisitos de identificação que ameaçam a privacidade e a liberdade de expressão e geram novas formas de discriminação. Em sua versão mais recente – que deve ser apresentada formalmente ao Congresso – o projeto de lei cria uma Internet altamente controlada e coloca os usuários sob suspeita de desenvolver atividades consideradas ilícitas. Além disso, a obrigação da identificação por meio de documentos de identidade e número individualizado de telefone celular pode excluir milhões de pessoas do acesso à informação e a serviços online básicos. Tal situação é particularmente danosa em um momento em que tal acesso se torna crucial para a participação na vida política e para o exercício de direitos sociais, econômicos e culturais.
O projeto de lei também amplia as obrigações preexistentes de retenção de dados para permitir o monitoramento do informação compartilhadas em aplicativos de mensagens privadas. A medida não apenas contraria os padrões internacionais de direitos humanos a respeito da privacidade como coloca as comunicações e a vida de defensoras e defensores de direitos humanos, jornalistas e ativistas em risco constante. Outras preocupações a respeito da última versão do projeto incluem a possibilidade de bloqueio das atividades de empresas de Internet no país caso não cumpram a obrigação de manter bases de dados com informação de usuárias e usuários brasileiros dentro do território nacional; o reforço de obrigações de registro de localização; e o aumento de penas criminais para calúnia, injúria e difamação (incompatível com os padrões internacionais de direitos humanos), como foi destacado por uma ampla coalizão de organizações brasileiras.
A última versão do texto não é capaz de cumprir com o suposto objetivo de combater a desinformação, ao estimular a concentração no âmbito digital – por meio de imposição de obrigações desproporcionais às empresas provedoras de serviços de Internet – e a autocensura, por meio da excessiva vigilância e da ampla criminalização de discursos. Ao fazê-lo, o projeto contraria diretamente o que foi assinalado por especialistas internacionais de direitos humanos sobre o tema, que recordam que “os Estados têm a obrigação positiva de promover um entorno comunicativo livre, independente e diverso, incluindo a diversidade dos meios, que constitui um modo fundamental para lidar com a desinformação e a propaganda”, e que “as proibições gerais de difusão de informação baseadas em conceitos imprecisos e ambíguos, incluídos os de ‘notícias falsas’ (‘fake news’) ou ‘informação não objetiva’, são incompatíveis com os padrões internacionais sobre as restrições à liberdade de expressão, conforme indicado no parágrafo 1(a), e deveriam ser abolidas”.
Se aprovado, este projeto de lei abrirá um precedente preocupante para outros países que atualmente discutem regulações para restringir a desinformação. Trata-se de um debate complexo, que não pode ser acelerado por mecanismos de tramitação de urgência ou pela desconsideração de seus impactos significativos nos direitos humanos e nas garantias processuais.
A desinformação pode ter impactos negativos para a democracia, a liberdade de expressão, o jornalismo e o espaço público, bem como quaisquer tentativas inapropriadas de regulá-la. Os Estados devem abster-se de adotar marcos normativos que não estejam embasados em evidência e que não sejam resultado de um debate público amplo, com participação dos diferentes setores da sociedade. Como destacaram os especialistas internacionais de direitos humanos em suas recomendações sobre como responder ao fenômeno da desinformação, “os Estados somente poderão estabelecer restrições ao direito fundamental à liberdade de expressão em conformidade com o teste previsto no direito internacional para tais restrições, a saber, que estejam estipuladas em lei, alcancem um dos interesses legítimos reconhecidos no direito internacional e resultem necessárias e proporcionais para proteger esses interesses”.
Uma ampla discussão envolvendo as múltiplas partes interessadas e a adoção de regras para garantir mais transparência e prestação de contas por parte das empresas de Internet, assim como mecanismos para o devido processo na moderação de conteúdos, são mais do que bem-vindos. Tal discussão deve considerar os padrões de direitos humanos que já reconhecem o controle concentrado das comunicações digitais como uma ameaça à liberdade de expressão. No entanto, o texto em discussão falha em atender tais princípios e não deveria ser aprovado sem o devido debate público.
Pelas razões expressas acima, as organizações abaixo assinadas solicitam aos legisladores brasileiros que rejeitem imediatamente a última versão do texto, adiem a votação da chamada “Lei das Fake News” (PL 2630/2020), removam sua tramitação em regime de urgência e convoquem um amplo diálogo com as múltiplas partes interessadas para discutir como responder aos desafios da desinformação online de acordo com os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro em respeito aos tratados internacionais de direitos humanos e aos padrões existentes sobre o tema.
Assinam:
- Access Now, Global
- Amnesty International Brazil
- ARTICLE 19, Global
- Asociación Mundial de Radios Comunitarias (AMARC), Latin America and the Caribbean
- Asociación Nacional de la Prensa (ANP), Bolivia
- Asociación por los Derechos Civiles (ADC), Argentina
- Asociación TEDIC, Paraguay
- Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), Brazil
- Association for Progressive Communications (APC), Global
- Autres Brésils, France
- Center for Democracy & Technology, US/EU
- Centro de Archivos y Acceso a la Información Pública (CAinfo), Uruguay
- Centro Nacional de Comunicacion Social AC, Mexico
- Ciberfeministas GT, Guatemala
- Damian Loreti, Argentina
- Derechos Digitales, Latin America
- Digital Empowerment Foundation, India
- Electronic Frontier Foundation (EFF), Global
- Espacio Público, Venezuela
- Fundación Datos Protegidos, Chile
- Fundación Escuela Latinoamericana de Redes (EsLaRed), Venezuela
- Fundación Karisma, Colombia
- Fundación para la Libertad de Prensa (FLIP), Colombia
- Fundamedios, Latin America
- Hiperderecho, Peru
- Human Rights Watch, Global
- IFEX – América Latina y el Caribe (IFEX-ALC), Latin America and the Caribbean
- Index on Censorship, Global
- Instituto de Prensa y Libertad de Expresión (IPLEX), Kosta Rika
- Institut Teknologi dan Masyarakat Rio (ITS Rio), Brasil
- Instituto Prensa y Sociedad, Peru
- Instituto Prensa y Sociedad, Venezuela
- Internet Tanpa Batas, Global
- IPANDETEC, Amerika Tengah
- ISOC Brazil (Masyarakat Bab Brasil di Internet)
- Martín Becerra, Argentina
- OBSERVACOM, Amerika Latin
- Observatorium Amerika Latin untuk Libertad de Expresión (OLA), Amerika Latin
- Buka Pengetahuan Brasil
- Paradigm Initiative (PIN), Afrika
- PEN America, Amerika Serikat
- R3D: Merah dan Defensa de los Derechos Digitales, Meksiko
- Reporters Without Borders (RSF), Global
- Perangkat Lunak Freedom Law Center (SFLC.in), India
- Sulá Batsú, Kosta Rika
- Sursiendo, Comunicación y Cultura Digital, Meksiko
- Pengguna Digital, Ekuador
Foto: Jane Araújo / Agência Senado