Tem precedente: dados cadastrais de bolsistas da Capes, incluindo CPF parcial, configuram informação pública
  • 11.12
  • 2023
  • 11:55
  • Luiz Fernando Toledo

Acesso à Informação

Tem precedente: dados cadastrais de bolsistas da Capes, incluindo CPF parcial, configuram informação pública

Esta matéria é parte da newsletter Achados e complementa a seção Tem precedente?, um trabalho de análise das decisões do governo federal sobre transparência de informações realizado pela Abraji. Analisamos periodicamente decisões da Controladoria-Geral da União (CGU), o órgão responsável pelo monitoramento da LAI em nível federal, e fornecemos aqui um resumo das que podem ser de maior relevância para jornalistas.

A CGU emitiu uma decisão, em novembro deste ano, que garantiu a um solicitante o acesso a diversos dados detalhados de candidatos aprovados à bolsa do programa Ciência sem Fronteiras, inclusive parte do CPF, entendendo que estes dados não estão protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

O pedido solicitava as seguintes informações: nome completo, seis dígitos intermediários do CPF, nome da instituição de ensino de origem, nome da chamada a que o aluno se candidatou e status de aprovação em cada chamada. 

A decisão gera um bom precedente de transparência: entende-se que a divulgação do CPF descaracterizado dos candidatos aprovados em programas públicos não viola a LGPD. Isso permite realizar cruzamento de dados com outros sistemas de benefícios do governo, ajudando a identificar irregularidades, possíveis fraudes etc.

Veja a decisão aqui. 

Veja outras decisões recentes de interesse público selecionadas pela Abraji:

Indústria de Material Bélico do Brasil (IMBEL): acesso a memorando com empresa de defesa é deferido.

Informação solicitada: cópia do Memorando de Entendimentos firmados entre a IMBEL e a Mac Jee a partir de 2018.

Resposta do órgão: a IMBEL recusou o acesso alegando que a divulgação poderia interferir em sua vantagem competitiva e interesses de possíveis concorrentes, justificando com base na Lei nº 12.527/2011 e no Decreto nº 7.724/2012.

Decisão sobre o recurso: a CGU decidiu pelo provimento parcial do recurso, permitindo o acesso à cópia do Memorando de Entendimentos entre a IMBEL e a Mac Jee a partir de 2018, com a ressalva de proteção exclusiva dos trechos que revelam especificações técnicas de produtos ou procedimentos das empresas envolvidas, devido a riscos à competitividade.

Precedente: garantir maior transparência no setor de comercialização de materiais de defesa.


Exército (CEX): informações detalhadas de ficha de militar devem ser disponibilizadas

Informação solicitada: o requerente solicitou informações sobre um militar específico (o nome é ocultado do documento), incluindo: Ficha militar completa;  Histórico completo de punições/sanções disciplinares; Todas as folhas de alterações do militar ao longo do tempo de serviço.

Resposta do órgão: o Comando do Exército (CEX) inicialmente negou a informação, amparando-se no art. 5º da Constituição Federal do Brasil (CRFB) e art. 31 da Lei de Acesso à Informação (LAI). Essa negativa foi mantida em primeira e segunda instância.

Decisão Sobre o Recurso: provimento do recurso, instruindo o Comando do Exército a disponibilizar o "Extrato de Informações do Militar".

Precedente: a decisão da CGU de prover o recurso cria um precedente importante para a transparência e acesso à informação de fichas de militares.


Universidade Federal do Ceará (UFC): detalhamento de verbas de exercício não pagos é informação pública

Informação Solicitada: o requerente solicitou à Universidade Federal do Ceará (UFC) a relação de todas as verbas, independentemente de sua natureza, de exercícios anteriores não pagas, incluindo os nomes dos respectivos credores (professores e técnicos administrativos).

Resposta do órgão: A UFC inicialmente negou o pedido com base na Lei Geral de Proteção de Dados.

Decisão sobre o Recurso: o recurso foi provido. A CGU determinou que a UFC disponibilize as informações requeridas na Plataforma Fala.BR, considerando-as públicas e sem razões legais para negar o acesso.

Precedente: este caso tem um alto potencial para estabelecer um precedente significativo em relação à transparência e ao acesso a informações públicas, especialmente no contexto da aplicação da LGPD e da proteção de dados pessoais em instituições públicas.


IBGE: acesso a edital de processo seletivo de 1991 é indeferido

Informação Solicitada: solicita ao IBGE acesso ao edital e ao resultado do Processo Seletivo Simplificado para Agente Censitário Supervisor, realizado em Codó em 05/05/1991, relacionado ao Censo de 1991.

Resposta do Órgão (IBGE): em todas as instâncias, o IBGE informou que não possui mais acesso aos arquivos solicitados. Alegou que, à época do processo seletivo, não havia procedimentos de digitalização que permitissem a conservação dos documentos.

Decisão sobre o recurso: o recurso não foi conhecido pela Controladoria-Geral da União (CGU), pois não houve negativa de acesso à informação, apenas a declaração de inexistência do documento solicitado.

Precedente: a CGU mantém o entendimento de que cabe ao órgão público dizer se uma informação existe ou não. Caso o cidadão possua provas de que o órgão tem, sim, acesso aos documentos, deve apresentar tais provas na solicitação.


Em 2016, governo registrou primeiro caso de "abuso" no uso da LAI 

Em 2016, um único cidadão fez mais de 150 pedidos de informação e recursos para ter acesso a dados do Banco do Brasil de diversos tipos, incluindo supostas denúncias de irregularidades feitas pelo próprio solicitante dos pedidos. Responder a esses pedidos teria custado mais de 6 mil horas de trabalho dos servidores do banco, com um valor de trabalho estimado em R$ 680 mil. Foi o primeiro caso registrado, na história da Lei de Acesso à Informação brasileira, de um solicitante que teria "abusado" do direito de acessar informações públicas.

"O maior custo a ser suportado pela sociedade é a necessidade de se mobilizar tamanha estrutura da empresa para atender aos interesses particulares de um único cidadão em detrimento da finalidade social e econômica para qual foi criado o Banco do Brasil", afirmou o banco.

A CGU, decidiu, na época, que os pedidos eram desproporcionais e, portanto, deu razão ao banco em negar os pedidos de informação. Veja aqui a decisão.

No cotidiano da LAI, a situação é menos intensa. É comum que a CGU decida em favor de solicitantes quando o único argumento para negar a informação é trabalho adicional ou desproporcional. O órgão precisa demonstrar explicitamente qual trabalho adicional é esse, quanto tempo leva e quanto custaria para fazer, bem como se essas tarefas já não estão dentro de suas atribuições. 

Veja a dica do nosso L-AI, o chatbot criado pela Abraji e pelo DataFixers.org, sobre o que fazer quando um pedido é negado por este motivo: "A decisão negativa de acesso de pedido de abertura de base de dados governamentais fundamentada na demanda por custos adicionais desproporcionais e não previstos pelo órgão ou pela entidade da administração pública federal deverá apresentar análise sobre a quantificação de tais custos e sobre a viabilidade da inclusão das bases de dados em edição futura do Plano de Dados Abertos."

Sobre o projeto

A Abraji monitora, desde novembro de 2023, decisões tomadas pelo governo federal sobre publicidade de documentos produzidos por órgãos públicos. A ideia é que jornalistas possam acompanhar, com mais agilidade e curadoria, quais argumentos estão sendo usados para negar dados ou até obter ideias para embasar seus próprios pedidos de informação.

Assinatura Abraji