Publicação recupera a história dos aikewáras, torturados na ditadura
  • 03.09
  • 2018
  • 16:02
  • Rafael Oliveira

Formação

Publicação recupera a história dos aikewáras, torturados na ditadura

Thomas Jefferson Gonçalves passou uma semana vivendo na Terra Indígena Sororó, localizada próxima a Marabá (PA), para realizar o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Apresentada neste ano durante o 13º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, a reportagem especial “Aikewáras: a guerra contra o esquecimento”  recupera a narrativa de indígenas da etnia aikewáras, torturados pela ditadura militar no início dos anos 70. 

A história da tribo se confunde com a da Guerrilha do Araguaia, movimento armado de resistência ao regime militar. De inspiração maoísta, o grupo instalou-se ao longo do rio Araguaia — próximo ao território dos indígenas — e objetivava fomentar uma revolução socialista a partir do campo. Nos primeiros anos da década de 1970, as forças militares descobriram os planos e iniciaram uma ofensiva contra a guerrilha; os aikewáras estavam no meio do caminho. Além de queimar moradias e alimentos dos indígenas para impedir que os guerrilheiros as usassem, os militares os obrigaram a servir de guias na busca pelos revoltosos.

“Até hoje essa é uma página da história que foi ignorada. O maior sofrimento deles é justamente a ignorância da sociedade, de não se importar com o que eles passaram. Ainda por cima, uma parte da sociedade os acusa de colaboracionismo com os militares, e não foi nada disso. Eles sofreram muito”, afirma Gonçalves. Segundo levantamento da Comissão Nacional da Verdade, mencionado no trabalho do jornalista, mais de 8,3 mil indígenas foram afetados pela ação do governo militar, entre mortos, torturados e desaparecidos.

A reparação aos aikewáras demorou mais de 40 anos para acontecer. Em 19.set.2014, a Comissão de Anistia passou a considerou 14 indígenas da etnia como anistiados políticos e os concedeu uma indenização de 120 salários mínimos como compensação pelas violações de direitos que eles sofreram durante o regime militar.

Na mesma época, Gonçalves fazia uma disciplina de Rádio & TV e entrou em contato com o assunto. “Eu notei que os meios de comunicação só estavam noticiando o fato, nenhum deles estava contando quem eram esses indígenas e o que tinha acontecido. Isso me despertou uma curiosidade”, conta o jornalista. 

Entre o pré-projeto e a visita à Terra Indígena Sororó, o estudante precisou realizar duas avaliações de mérito: uma científica, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); e uma ética, pelo sistema CEP/Conep. A segunda, normalmente voltada para pesquisas de cunho biológico e biomédico, levou mais de seis meses para ser concluída e quase o levou a desistir. 

Em janeiro de 2016, com a autorização da Funai e contatos já estabelecidos em Marabá e no território dos indígenas, Gonçalves embarcou do Distrito Federal para o Pará. Lá, conversou com quatro dos 14 anistiados, e teve convivência intensa com vários dos aikewáras, que hoje somam cerca de 400 habitantes. “Foi uma oportunidade de conhecer uma outra cultura e, ao mesmo tempo, tentar fazer um trabalho relevante socialmente, que de alguma maneira ajude a mitigar alguma injustiça que ainda hoje é cometida no nosso país”, aponta o jornalista.

A reportagem especial foi publicada em dezembro de 2017, na 19ª edição da Campus Repórter, revista produzida pela Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB). Além de resgatar a história sob o ponto de vista dos aikewáras, Gonçalves traçou um panorama sobre a sub-representatividade dos indígenas na mídia, disponível no memorial descritivo do TCC.

Impressões 
A realização do Trabalho de Conclusão de Curso permitiu que o então estudante mergulhasse em uma “grande experiência antropológica” em relação aos povos indígenas brasileiros. 

Dormindo na casa da filha do chefe aikewára — por insistência do indígena, já que inicialmente ele dormiria na escola da tribo —, Gonçalves estabeleceu laços com os habitantes da tribo e descobriu hábitos que ele não esperava. “Todos eles têm televisão, têm antena parabólica, adoram ver novela, tomar guaraná. São hábitos ‘engraçados’, que a gente não espera que eles tenham, mas têm. E ali, vivendo com eles, você vê que isso não faz com que eles deixem de ser indígenas, eles continuam tendo suas especificidades”, aponta.

Para o jornalista, é importante entender a “cosmologia indígena”. “Não dá para você fazer um trabalho como esse no nosso tempo ‘ocidental’, em que você marca um dia, um horário, fica 30 minutinhos, filma, fotografa, aperta a mão e vai embora. Para o indígena é importante criar-se um vínculo com aquele jornalista que está ali trabalhando”, ressalta. 

Dicas para começar o TCC
A má experiência com a burocracia na tentativa de obter a autorização para visitar a Terra Indígena Sororó faz com que o primeiro conselho de Gonçalves para quem já está pensando no Trabalho de Conclusão de Curso seja iniciá-lo o quanto antes. “Às vezes você ainda não tem uma clareza total de como vai ser o seu TCC e de qual recorte vai dar, mas é bom já começar”, aponta.

Além disso, Gonçalves aconselha que os estudantes deixem “portas abertas”. “Uma dica que eu daria para um graduando é aproveitar as iniciações científicas, participar de congressos, escrever artigos. Você pode criar um gosto pela carreira acadêmica, em paralelo com a profissional”, explica. Além da graduação em Jornalismo, ele é formado em Publicidade e Propaganda e pós-graduado em Design Gráfico, e considera que a experiência prévia no mundo acadêmico permitiu que aproveitasse melhor os anos de estudo do Jornalismo.

Assinatura Abraji