- 21.11
- 2017
- 16:14
- Mariana Gonçalves
Páginas de Facebook ganham força e desafiam senso comum na veiculação de informações sobre violência e segurança no Rio de Janeiro
Com a retração dos jornais impressos e o avanço da internet nos últimos anos, páginas “de bairros” do Facebook se transformaram em fontes de informação sobre violência, criminalidade e segurança pública no Rio de Janeiro. Essa é a principal conclusão do estudo “Crime e polícia no #RiodeJaneiro: relatos em páginas no Facebook”, que analisou 156 páginas do tipo. Produzido pelo pesquisador Pablo Nunes, o trabalho faz parte da pesquisa “Mídia e violência – o que mudou em dez anos?”, desenvolvida no Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC).
O estudo analisou o conteúdo de páginas como “Voz das Comunidades”, “Blog Crimes News”, “Rio de Nojeira” e “Onde fui assaltado RJ”, além de páginas restritas a certas regiões, como “Maré Vive” e “Alerta Recreio”. Segundo Nunes, seu surgimento tem ligação direta com a cobertura tímida que a grande imprensa dedica a certas áreas da cidade. “Se não há interesse de cobrirem certos lugares, nada mais natural que redes como as que encontramos no Facebook surjam e ganhem relevância”, afirma.
Metade das informações postadas ali dizem respeito a assuntos cotidianos (como infraestrutura, reclamações da coleta de lixo, promoções de restaurantes locais etc.), e outra metade, a questões relacionadas às dinâmicas do tráfico de drogas, ações da polícia e crimes ocorridos nas regiões. Mais do que de notícias publicadas por veículos tradicionais, as informações vêm geralmente de leitores e colaboradores.
Entre os “nichos” de informação que encontrou, Nunes observou um grupo de páginas que produzem conteúdos como forma de contrapor o discurso do senso comum, que estigmatiza favelas e bairros pobres e legitima ações arbitrárias da polícia. “Com um smartphone em mãos é possível documentar condutas violentas e criminosas de policiais, execuções, extorsões etc., informações que cada vez menos são registradas pelos jornalistas, principalmente por conta de protocolos de segurança”, diz.
“Ter comunicadores lá de dentro produzindo informações sobre seu contexto de violência é fundamental para que o assunto seja pautado na opinião pública”, destaca. Segundo ele, alguns grandes jornais da cidade já basearam parte de seu noticiário no conteúdo proveniente dessas páginas.
“Uma das preocupações que parece nortear a produção dessas páginas é a autoproteção dos que compõem sua rede”, afirma o pesquisador. Para se proteger da violência, há uma parcela de usuários que costuma divulgar informações sobre áreas com ondas de assaltos nas regiões e fotografias de “suspeitos” de crimes, acompanhadas de pedidos para que se tome cuidado.
Nesses casos, Nunes alerta para o risco de disseminação de informações inverídicas, que podem contribuir para o crescimento do medo e gerar grave repercussão. “Em nenhum momento são mencionados os órgãos estatais responsáveis pela segurança pública, o que deixa clara a baixa confiança no trabalho das instituições policiais, abrindo espaço para linchamentos e justiçamentos”, diz.
Outro efeito negativo desse tipo de postagem é a reiteração de estereótipos construídos sobre a figura do “bandido”, “por meio da divulgação de fotografias de jovens, homens e em sua maioria negros, perfil da população que mais morre por homicídio no Brasil”, diz Nunes.
Para ele, as páginas não são equivalentes ao jornalismo profissional. Elas funcionam mais como “um centro de recepção e divulgação de conteúdo” do que como veículos de comunicação, diz. “A maioria dessas páginas não se identifica como um veículo de imprensa, nem denomina seus posts como ‘notícias’. Mesmo que esses fluxos sejam intensos e ricos em informações, não há, na maior parte dessas páginas, a preocupação primordial no jornalismo, que é a checagem. O resultado é uma atividade intensa de publicação de informações pontuais, sem contexto e, na maior parte dos casos, sem checagem.”
Mídia e violência
A pesquisa “Mídia e violência – o que mudou em dez anos?” refaz a investigação que, em 2007, resultou no livro “Mídia e Violência: Novas Tendências na Cobertura de Segurança e Criminalidade no Brasil”, também lançado pelo CESeC. O objetivo de agora é entender quais foram as mudanças no noticiário sobre violência nos últimos dez anos. Junto com Nunes, realizam a pesquisa a jornalista Anabela Paiva e a cientista social Silvia Ramos.
Além do conteúdo do boletim, a pesquisa investigou a produção de sete jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e Ceará. O enfoque é no volume da cobertura de violência, os tipos de textos produzidos, os principais temas cobertos e a presença e a diversidade de fontes nas matérias.
Por enquanto, “podemos dizer que o volume da cobertura diminuiu consideravelmente em quase todos os veículos pesquisados”, diz Anabela Paiva. “Novos atores sociais passaram a ter relevância muito maior, como o Ministério Público.” Dez anos atrás, o destaque no noticiário era de policiais e forças de segurança, que apareciam como principais fontes em mais da metade das matérias. Além disso, a maioria das reportagens da época tratava de ações das forças de segurança (como prisões e apreensões), e não de crimes ou de violência, de acordo com a pesquisa anterior.
Atualmente, o tema parece interessar menos aos leitores, afirma Paiva. “Ouvimos relatos de que o destaque para questões de violência afeta negativamente as vendas. Através de entrevistas, também estamos identificando mudanças nos métodos de trabalho dos repórteres. Mas ainda estamos finalizando estas conclusões.”
Nunes acrescenta que deve continuar estudando a circulação de informações sobre violência no Rio de Janeiro, bem como em outras regiões do Brasil. “Temos informações que em outros estados a dinâmica é completamente diferente”, diz. Ainda assim, com o aumento da violência na cidade, o monitoramento das páginas cariocas “continua tendo relevância para indicar como a população tem se relacionado com a violência cotidiana e como está sua relação com os órgãos de segurança pública e com a imprensa”.
A pesquisa na íntegra deve ser lançada até fevereiro de 2018, segundo Paiva. Um novo livro será publicado.