- 29.03
- 2018
- 13:56
- Rafael Oliveira
Liberdade de expressão
Jornalistas lançam manifesto contra machismo e assédio no jornalismo esportivo
Um grupo de mais de 50 jornalistas lançou no último domingo (25.mar.2018) a campanha #DeixaElaTrabalhar. A primeira ação do conjunto foi a divulgação nas redes sociais de um vídeo com um manifesto. A iniciativa é uma ofensiva contra os recorrentes casos de machismo e assédio dentro do universo do jornalismo esportivo.
A ação teve como gancho dois episódios do início do mês. Em 11.mar.2018, um torcedor do Internacional gritou "Sai daqui, puta" e empurrou a repórter da Rádio Gaúcha Renata Medeiros, que cobria o clássico Gre-Nal. Três dias depois, um torcedor do Vasco tentou beijar Bruna Dealtry, repórter do Esporte Interativo, que fazia a cobertura do time carioca no jogo contra o Universidad do Chile, pela Libertadores. No dia do lançamento da campanha, outro caso: a jornalista Kelly Costa, da RBS TV, foi ofendida por um torcedor do São José-RS, que enfrentava o Brasil de Pelotas pelo campeonato gaúcho.
A diretora da Abraji Gabriela Moreira é uma das integrantes do grupo e já passou por situação parecida. Segundo ela, os episódios são recorrentes e não partem somente dos torcedores. “Já teve repórter ouvindo de treinador que ‘mulher não entende de futebol’, e já teve um procurador do Tribunal de Justiça Desportiva (TJD) falando que ‘ia explicar para as mulheres que não sabem o tamanho da trave’ em um julgamento”, conta a jornalista.
O grupo — que começou no WhatsApp e após o lançamento da campanha já tem quase 100 mulheres — pretende realizar outras ações práticas para combater o assédio e a violência contra as jornalistas. “Eu estou incubida da questão jurídica”, diz Moreira. “Sempre há profissionais dos Juizados Especiais Criminais (Jecrim) de plantão nos estádios. Nos casos de racismo, a torcida costuma apontar os culpados e o Jecrim resolve. Nos casos de machismo, muitos ainda entendem como parte do jogo. Nós pretendemos fazer uma representação formal ao Jecrim”, explica.
A movimentação jurídica se ancora no artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que determina punições para atletas e membros de comissões técnicas, assim como para clubes dos quais torcedores vierem a “praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. Foi esse artigo que acarretou na eliminação do Grêmio da Copa do Brasil em 2014, após a torcida do clube gaúcho ofender o goleiro Aranha com xingamentos racistas.
Para a jornalista da ESPN, os clubes ainda precisam avançar muito nesse assunto. “A administração, os conselhos deliberativos dos clubes, são todos compostos por homens. Eles são omissos, mas isso começa a mudar, lentamente. Se tiver punições quanto a isso, isso passa a envolver os clubes, que podem passar a tentar conscientizar os torcedores”, aponta.
Nas redações
Para Moreira, as redações também são ambientes machistas. Por isso, o grupo também pretende agir dentro dos veículos de comunicação, promovendo a discussão do tema e a criação de canais internos para que as jornalistas possam denunciar casos de machismo.
Segundo o relatório Mulheres no Jornalismo Brasileiro, feito pela Abraji e pela Gênero e Número, em parceria com o Google News Lab, 83,6% das jornalistas que responderam a pesquisa já sofreram algum tipo de violência psicológica, 65,7% já tiveram sua competência questionada e 64% já sofreram abuso de poder de chefes ou fontes.
Repercussão
A quantidade de reações positivas — e a escassez de reações negativas — surpreendeu o grupo. “Antes era colocado como ‘mimimi’, mas dessa vez não. Tivemos muitas manifestações de colegas de profissão apoiando, inclusive. Eu enxergo isso como um tomada de consciência pública. Ficou vergonhoso não se manifestar”, diz Moreira.
O #DeixaElaTrabalhar alcançou as mídias internacionais, e o grupo passou a receber vídeos de jornalistas de outros países, especialmente da América Latina, mas também de outras regiões.
A repercussão positiva também foi grande entre os clubes brasileiros. Segundo A Tribuna, ao menos 30 dos 40 times das séries A e B republicaram o vídeo do #DeixaElaTrabalhar em suas redes sociais com frases de apoio. Além disso, jogadores e ex-jogadores como Paulo André e Alex divulgaram a iniciativa em suas mídias, e outros, como Réver e Júlio César, manifestaram apoio ao movimento em entrevistas coletivas. O apoio dos atletas surpreendeu a jornalista. “Parece protocolar, mas não é. O protocolo no futebol é não falar. Jogador de futebol raramente sai da caixinha. A gente começa a tocar em quem faz o espetáculo”, aponta Moreira.