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  • 2012
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Jornalismo de risco: até onde vai a busca pela verdade dos fatos

Publicado em 1° de junho de 2012, no site Nós da Comunicação

André Bürger

O presidente da Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), o argentino Ricardo Trotti, abriu o encontro "Jornalismo de risco no Brasil: Tim Lopes, 10 anos depois", realizado em 31 de maio, no Rio de Janeiro, alertando que apesar dos casos de violência contra jornalistas nas grandes capitais, são os profissionais de pequenas cidades que mais sofrem. "Eles são vulneráveis por estarem mais distantes das associações de classe e por não terem muita visibilidade", pontuou. Para Ricardo, a missão dos jornalistas investigativos é trazer a verdade à tona. "Não é apenas cobrir os fatos, mas descobri-los. Esse é o trabalho desses profissionais."

Para especialistas presentes no encontro, a morte do jornalista Tim Lopes, que completa dez anos no próximo dia 2 de junho, foi um marco no modus operandi do jornalismo brasileiro. "A partir dali, os profissionais da área acordaram para o fato de que havia violência contra jornalistas. No período pré-Tim Lopes, os repórteres podiam se infiltrar nas favelas com mais facilidade. Os traficantes, inclusive, nos viam como porta-vozes da realidade das comunidades", contextualizou Marcelo Moreira, editor-chefe do jornal RJTV segunda edição e atual presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), entidade que tem como um de seus objetivos aprimorar as atividades dos profissionais da notícia, visando mais qualidade e segurança para todos.

A Abraji realiza nos dias 12, 13 e 14 de junho o 7º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo. Saiba como concorrer a uma vaga. 

 

Mesmo concordando que existe um "antes e depois" da morte de Tim, Angelina Nunes, diretora da Abraji e jornalista de O Globo, ressaltou que no final dos anos 1990 já havia esse tipo de violência. "Mesmo assim, a gente vai continuar fazendo matérias. Alguns se arriscam pelo furo, outros são mais responsáveis. Mas temos que conseguir contar a história."

Diante do assassinato de Tim Lopes - que foi descoberto enquanto produzia disfarçado uma reportagem sobre consumo de drogas em bailes funk no Complexo do Alemão -, os profissionais ficaram mais cautelosos. "Entretanto, ainda há riscos. Um atentado ao jornalismo é um atentado à democracia", concluiu Leonardo Mancini, chefe do departamento de jornalismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), onde foi realizado o evento.

Engana-se quem pensa que a violência permanece apenas nos grandes centros urbanos. Vítima de repressões por parte de fazendeiros donos de latifúndios, Ruy Sposati, assessor do Movimento Xingu Vivo, acompanha de perto a construção da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. Produzindo conteúdos para veículos de todo o Brasil, Sposati trabalha em Altamira, município paraense que, segundo ele, "é completamente abandonado pelas autoridades públicas."

"Aquela região só ganhou alguma visibilidade depois que a irmã Dorothy Stang foi assassinada em 2005. Sempre há a possibilidade de opressão por parte dos grandes fazendeiros que, muitas vezes têm ligações políticas e são donos dos veículos de comunicação locais", criticou o jornalista.

Do Pará à fronteira entre Mato Grosso do Sul e Pedro Juan Caballero, no Paraguai. Ali, no limite territorial com o Brasil, vive o jornalista investigativo Candido Figueiredo, correspondente do jornal ABC Color. "Meu trabalho é simples: apurar e contar o que está acontecendo. Temos que ver o que pode melhorar em nossas comunidades. Quero que meu país mude de cara", disse, fazendo referência à imagem negativa atribuída ao Paraguai: um país que comercializa produtos falsificados.

Figueiredo vive 24 horas vigiado por quatro guarda-costas por causa das constantes ameaças de morte que recebe. "Perdi minha liberdade. Na região, há a maior produção de maconha da América Latina. É um corredor de entrada da cocaína colombiana no Brasil, sem radar ou fiscalização adequada", contou.

Para Francisco Evanildo Queiroz, radialista da Rádio Vale do Jaguaribe, localizada em Limoeiro do Norte, no Ceará, falar em jornalismo investigativo é falar de perigo. No evento, ele contou sobre Nicanor Linhares Batista, antigo dono da rádio Vale do Jaguaribe, que recebeu várias ameaças de políticos até ser morto em 2003.

"Ele registrou diversos boletins de ocorrência. Quando atingimos pessoas poderosas e influentes é grande o risco de sofrermos represálias", comentou Francisco.

 

Rio de Janeiro, março de 2005

Naquele mês, o jornal O Globo divulgava uma reportagem de duas páginas denunciando a ocupação de 42 comunidades do Rio de Janeiro por milícias formadas por policiais militares. Segundo a repórter Vera Araújo - autora da matéria "Policiais cariocas montam milícias e expulsam tráfico das favelas", impressa em 20 de março - antes de publicar uma reportagem é fundamental investigar a fundo o tema e obter dados e documentos concretos para divulgar.

"Muitas vezes a gente não sabe até que ponto uma matéria pode ser investigada. À época, eu entrava nas favelas até de madrugada. Em uma dessas visitas, durante o dia, o representante que me acompanhou na visita escolhia quais moradores podiam dar entrevista. Depois da publicação sofri ameaças. Quando você assina uma matéria, muitas vezes o personagem denunciado acha que aquilo foi um ato pessoal, mesmo que você tenha um grande jornal por trás. As milícias sempre tiveram apoio político", comentou.

 

O caso Herzog

Em um evento sobre os riscos da profissão jornalística, não poderia deixar de ser abordado o assassinato de Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura encontrado morto nas dependências do DOI/Codi de São Paulo, em 1975 (Alberto Dines comentou sobre isso em encontro na Casa do Saber). Em sua fala, Audálio Dantas, que era presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo na época, criticou o governo brasileiro por nunca ter investigado e processado os culpados pela morte do jornalista, apesar de todos os fatos já divulgados.

"Em 1975, em evento da SIP, realizado no Rio de Janeiro, eu aproveitei para denunciar a prisão de diversos jornalistas. Foi uma forma de dar visibilidade à opressão que estávamos vivendo", contou Dantas, que hoje é conselheiro do Instituto Vladimir Herzog. Atualmente, a Organização dos Estados Americanos, por meio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, está pressionando o Governo Federal para que apure e mostre documentos em relação à morte de Herzog.

 

Proposta para os grandes veículos

Diante desse cotidiano de risco profissional, Suzana Blass, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, defendeu que jornais, revistas e emissoras de televisão devem oferecer periodicamente treinamentos para seus funcionários, além de seguros diferenciados para jornalistas que fazem coberturas de risco, dando como exemplo o caso do cinegrafista da Band Gelson Domingos.

"O Gelson, que morreu em novembro do ano passado enquanto acompanhava uma operação do Bope, era contratado como operador de câmera pela emissora. Ganhava pouco e abaixo do que um repórter cinematográfico ganha. Além disso, ele quem estava dirigindo o carro da equipe de reportagem. Nessas ocasiões, um motorista é fundamental, pois auxilia o repórter. Precisamos difundir uma cultura de segurança das redações", defendeu Suzana.

 

Assinatura Abraji