Congresso da Abraji reúne 750 pessoas em 3 dias de debates sobre jornalismo
  • 02.07
  • 2018
  • 13:42
  • Repórter do Futuro

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Congresso da Abraji reúne 750 pessoas em 3 dias de debates sobre jornalismo

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) promoveu nos dias 28, 29 e 30 de junho, em São Paulo, o 13º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, o maior encontro de jornalistas da América Latina. Ao todo, foram 70 painéis e 22 cursos e oficinas conduzidos por grandes nomes do jornalismo nacional e internacional. Entre os 154 palestrantes, nove vieram do exterior, de países como Estados Unidos, Venezuela e Peru. O congresso recebeu este ano um público total de 750 pessoas. A cobertura completa do evento foi feita pela equipe do Projeto Repórter do Futuro, da Oboré.

Para Daniel Bramatti, presidente da Abraji, o congresso de 2018 tratou de "temas muito importantes, como a diversidade nas redações, a questão da segurança dos jornalistas e de um assunto que está ganhando importância nos últimos tempos: a colaboração". O evento, disse Bramatti, "valoriza a nossa profissão em um momento em que é tão atacada por pessoas interessadas em fazer com que o jornalismo perca importância na atual conjuntura". 

Homenagem a Zuenir Ventura e combate à desinformação

No dia inaugural do evento, um dos destaques foi a cerimônia em homenagem ao jornalista Zuenir Ventura, ocupante da cadeira número 32 da Academia Brasileira de Letras. Ao receber a homenagem das mãos de Daniel Bramatti, o escritor gastou boa parte de seu discurso falando sobre o fenômeno das notícias falsas. “São uma contradição em termos. Para ser notícias, elas não podem ser falsas", afirmou, enfatizando que elas são “um novo nome para a prática dos boatos”, agora com a ajuda da internet como ferramenta de propagação.

A pesquisadora norte-americana Claire Wardle, diretora do Information Disorder Project e do First Draft, anunciou a criação do Projeto Comprova, reunião de 24 veículos jornalísticos para combater a desinformação no Brasil no período que antecede as eleições de outubro. A iniciativa começa oficialmente no dia 6 de agosto. “São várias redações que competem entre si, mas que se juntaram para fazer esse processo”, afirmou a pesquisadora durante a mesa “Desinformação e a Internet: Desafios para o Futuro”, mediada por Daniel Bramatti.

O projeto nasceu com uma iniciativa do First Draft, organização ligada à Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Criada em 2015, a ONG faz pesquisas e projetos para combater a desinformação na internet. “A única solução para esse problema é a colaboração. Todos têm que se unir e lutar contra ele”, afirmou Wardle.

A palestra do norte-americano Jason Reifler também abordou as notícias falsas, só que na eleição que levou Donald Trump ao poder. Ele e dois colegas conduziram uma pesquisa que identificou 289 sites que difundiram notícias falsas nas eleições de 2016. Segundo o levantamento, cerca de 25% dos norte-americanos visitaram um site de notícias falsas durante o período. Apesar disso, a maioria que teve acesso a essas notícias não mudou seu voto. “Quem consome muita notícia sobre política só escolhe se expor às notícias falsas porque correspondem ao seu posicionamento ideológico”, explicou.

Lava Jato, jornalismo no exílio e segurança do jornalista

Na sexta-feira (29), a mesa "Do Brasil para o mundo: a cobertura transnacional da Lava Jato" teve mediação do vice-presidente da Abraji, Guilherme Amado, do jornal O Globo e do JSK Stanford, e contou com profissionais de dois consórcios de jornalistas investigativos da América Latina criados com essa finalidade: O Investiga Lava Jato e o Lava Jato En Latinoamerica. De acordo com os participantes do painel, o surgimento de consórcios internacionais de jornalistas contribui para o desenvolvimento de investigações envolvendo a operação Lava Jato. As peruanas Romina Mella, editora investigativa do IDL-Reporteros, e a jornalista de dados Milagros Salazar, fundadora e diretora do Convoca, compuseram a mesa.

O editor venezuelano Joseph Poliszuk, do portal investigativo Armando.info, contou sua experiência de fazer jornalismo do exílio. Ele e mais três colegas deixaram o país após publicarem reportagens em que revelavam as ligações escusas de um empresário com o programa de combate à fome do governo. Processados pelo empresário por difamação e com poucas chances de vencer, foram obrigados a sair da Venezuela.

No eixo da segurança, o norte-americano Jason Reich, diretor de segurança global do BuzzFeed, falou sobre como lidar com o assédio virtual, fenômeno crescente no país, principalmente contra repórteres de política, esporte, segurança pública e especializados em checagem. “Se você é um bom jornalista, naturalmente vai deixar algumas pessoas irritadas, mas, apesar dos tempos sombrios, existem formas de se proteger. Uma delas é incorporar o ‘cara mau’ e tentar encontrar o máximo de informação pública sobre você em uma aba anônima da internet. É por esse caminho inverso que você vai começar a se proteger”, disse.

Angelina Nunes, coordenadora do Programa Tim Lopes, projeto da Abraji criado para prevenir a violência contra jornalistas, contou como foi o primeiro ano do Programa Tim Lopes, lançado sob inspiração do Arizona Project, desenvolvido pelo Investigative Reporters and Editors (IRE), dos Estados Unidos. O objetivo do projeto é acompanhar a investigação de casos de assassinato de jornalistas e comunicadores no Brasil e montar uma redação colaborativa para seguir com as reportagens das vítimas.

Na primeira cobertura do projeto no país, Angelina disse que precisou tomar medidas de segurança durante a investigação do assassinato do radialista Jefferson Pureza. Na viagem à cidade de Edealina (GO), Nunes trabalhou apenas até as 17h para não correr riscos. Segundo ela, o projeto é importante, diferente e pioneiro no país. "Queremos sensibilizar os donos de veículos, diretores de jornais, rádios, TVs, para que entendam que a gente está cuidando de uma coisa maior do que a manchete do dia seguinte", afirmou. 

Mesa sobre jornalismo colaborativo encerrou o evento

No eixo diversidade, editores brasileiros que gerem suas equipes valorizando pontos de vista diferentes ensinaram por que isso melhora a qualidade do jornalismo. Também houve uma mesa sobre o projeto Mulheres no Jornalismo Brasileiro, parceria da Abraji com a organização Gênero e Número, iniciativa para combater o assédio a jornalistas mulheres por fontes e dentro das redações. Ainda nesse eixo, a repórter Nikole Hannah-Jones, do New York Times, falou sobre o #MeToo e a cobertura do Black Lives Matter, nos Estados Unidos.  

No eixo de empreendedorismo e inovação, houve cursos para jornalistas que pretendem lançar negócios jornalísticos, com ou sem fins lucrativos, e uma oficina de design thinking. Possibilidades de modelos de negócios para o jornalismo local também foram exploradas, o que é fundamental no contexto brasileiro, em que há 70 milhões de pessoas sem acesso a publicações impressas ou sites. O número é do Atlas da Notícia, estudo feito pela organização brasileira Projor.

Marisa Kwiatkowski, repórter que denunciou casos de abuso na equipe de ginástica olímpica dos EUA, participou do terceiro dia de congresso da Abraji, no sábado (30). A repórter do jornal Indianapolis Star, apresentou a investigação de abusos sexuais contra as ginastas, que revelou 368 casos e resultou na condenação de Larry Nassar, ex-médico da seleção olímpica. A mesa foi mediada pela jornalista esportiva e diretora da Abraji Gabriela Moreira, da ESPN.

Encerrando o congresso, Stephen Engelberg, editor-chefe da ProPublica, discutiu a colaboração no jornalismo. "O investimento em iniciativas colaborativas entre diferentes veículos e jornalistas é uma forma de diversificar não só a produção de reportagens, como também melhorar a apuração", disse Engelberg. "A colaboração é um ganha-ganha" para todos os envolvidos", completou. O editor da ProPublica encerrou sua fala citando o compositor Tom Jobim: "É impossível ser feliz sozinho". 

Assinatura Abraji