- 13.08
- 2018
- 11:55
- Rafael Oliveira
Abraji lamenta morte de Claudio Weber Abramo
O Brasil e o jornalismo brasileiro perderam na noite deste domingo, 12.ago.2018, o vice-presidente do conselho deliberativo da ONG Transparência Brasil Claudio Weber Abramo. Com 72 anos, ele estava internado no Hospital Samaritano, em São Paulo, e não resistiu às complicações de um câncer.
Bacharel em Matemática pela USP e mestre em Filosofia da Ciência pela Unicamp, Weber Abramo foi diretor-executivo da Transparência Brasil por 15 anos. À frente da organização, foi um dos mais importantes articuladores da elaboração e aprovação da Lei de Acesso à Informação, sancionada em 2011.
Filho do ex-diretor de Estadão e Folha de S. Paulo Claudio Abramo e de Hilde Weber, primeira mulher chargista no Brasil, ele também foi editor de Economia da Folha de S. Paulo e editor-executivo da Gazeta Mercantil. Claudio Weber Abramo deixa mulher, quatro filhos, seis netos e uma enteada.
"Perdemos um batalhador pelas melhores causas e um amigo do bom jornalismo", disse o presidente da Abraji, Daniel Bramatti. "Claudio Weber Abramo será sempre uma inspiração para quem luta pela democracia, pela transparência e pela aplicação correta dos recursos públicos. Na Abraji, as bandeiras que ele defendeu continuam erguidas”.
Weber Abramo foi um dos responsáveis pela criação de ferramentas online para auxiliar jornalistas no uso de dados públicos. Entre elas o banco de dados e análises sobre financiamento eleitoral Às Claras; os indicadores de desempenho dos ministros do Supremo Tribunal Federal Meritíssimos; e o banco de dados com informações de processos e do desempenho de parlamentares “Excelências”, que venceu o Prêmio Esso de Melhor contribuição à imprensa em 2006.
Representando a Transparência Brasil, Weber Abramo recebeu o Prêmio Abraji de Contribuição ao Jornalismo em 2015. Em seu discurso, ele destacou um aprendizado que teve aos 21 anos, e que o norteou no jornalismo e na ONG: “Quem trabalha com esse tema, informação, tem um compromisso fundamental, e apenas um, que é com o público. Não tem compromisso com patrão, com amigos. É com o público. Quem transmite informação tem o dever de fazer isso da forma mais abrangente e precisa, de forma a — como diz a palavra — informar o público, de maneira adequada, correta, não pintada por opiniões pessoais”.
Nos últimos anos, Weber Abramo dedicou-se à dados.org. ONG fundada e co-dirigida por ele, tem como enfoque a coleta, organização e análise de informações detidas pelo poder público. Duas das ferramentas desenvolvidas pela organização, o Cruza.Dados e o Datascópio, foram apresentados por ele no 13º Congresso da Abraji, em junho. “Ele foi o pioneiro do jornalismo de dados no Brasil. Não um, o”, afirmou o jornalista da piauí e ex-presidente da Abraji José Roberto de Toledo, colega de Weber Abramo na empreitada.
Além das ferramentas da dados.org, o especialista produziu, até seus últimos dias, reflexões críticas sobre acesso à informação e o poder público. Em 2.ago.2018, publicou artigo crítico ao Ministério Público no Poder360. Dias antes, em 16.jul, escreveu sobre possíveis riscos que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais — que deve ser sancionada até amanhã (14) — pode trazer ao acesso à informação. O artigo de Weber Abramo foi o gancho de reportagem publicada pela Abraji em 30.ago.
O amigo Juca Kfouri, que estava com Claudio Weber Abramo no Hospital Samaritano, publicou homenagem em seu blog. Na lista de associados da Abraji, os ex-presidentes da Abraji José Roberto de Toledo e Fernando Rodrigues, além de Dorrit Harazim e Guilherme Alpendre manifestaram pesar:
José Roberto de Toledo
Quem conviveu ou trabalhou com o Claudio aprendeu que não era fácil. Ele não estava aqui para transigir, acomodar ou deixar pra lá.
Em compensação, nessa convivência intranquila também aprendemos muito sobre ética, lógica e um universo de conhecimentos que ele dominava. Impossível sair indiferente. O saldo costumava ser imensamente positivo para quem tivesse paciência e percebesse a oportunidade que era conviver com ele.
Devo à Abraji a retomada do contato com o Claudio, a quem conheci em 1987, na Folha. Generoso, ele ajudou na maioria dos nossos congressos, sempre ensinando algo a quem quisesse aprender.
Foi o pioneiro do jornalismo de dados no Brasil. Não um, o.
Plataformas públicas e gratuitas como Às Claras, Deu no Jornal, Excelências e Meritíssimos estiveram sempre muito à frente do que fazíamos com uma planilha eletrônica elementar nas redações. Foi, assim, um pauteiro e facilitador de reportagens alheias. De centenas delas, em dezenas de veículos.
Ajudou a formar uma penca de gente talentosa na Transparência Brasil, alguns deles depois transplantados para a Abraji: Guilherme Alpendre e Marina Atoji, entre outros. Fez, assim, nosso trabalho mais fácil, de novo.
Até as vésperas de morrer, trabalhava diariamente para atualizar e melhorar o Cruza.Dados e o Datascópio, que, apesar de estarem em fase Beta, alguns de vocês tiveram oportunidade de experimentar. Deixo a quem teve essa chance a tarefa de descrever a experiência.
Não fosse pelo Claudio e pelo Fernando Rodrigues teríamos demorado muitos anos mais para termos uma Lei de Acesso às Informações Públicas. Nem todo mundo sabe disso porque o Claudio não sabia se auto-promover - nem ganhar dinheiro. Tampouco estava aqui pra isso.
Nos últimos dois anos tive a sorte de virar seu amigo. Passei a conviver também com a pessoa, além do profissional. Descobri um dos sujeitos mais afetivos e ternos que já conheci. Difícil de acreditar para quem só conviveu com o profissional.
A inteligência desnorteadora era também bem humorada, até o fim. Neste último domingo, já sem conseguir falar, apontou para as roupas pretas das quatro pessoas que rodeavam sua cama de hospital. Ao nos darmos conta da gafe involuntária e tentarmos nos explicar, ele sorriu, irônico. Pela última vez.
Fernando Rodrigues
Foi com muita tristeza que vi partir o Claudio Weber Abramo, pessoa que aprendi a admirar e a ter como inspiração.
Generoso como sempre, perspicaz como poucos, apontava sempre para coisas que muitos não gostavam de observar. Seu último artigo, de 2 de agosto, foi sobre o que considerava privilégios do Ministério Público.
Sinto-me privilegiado por ter convido com o Claudio esses anos todos. O jornalismo perdeu um gigante.
Que sua memória seja abençoada e seu exemplo seja seguido.
Dorrit Harazim
Um rigoroso disseminador dos direitos e da verdade.
Honrou como poucos o sobrenome e a profissão.
Nós jornalistas e a sociedade como um todo lhe devemos montes.
Obrigada, Claudio.
Rosental Calmon Alves
Claudio Weber Abramo foi um batalhador incansável e um herói da transparência no Brasil, não só pelo trabalho que fez na Transparência Brasil, mas por todo o seu esforço para que o país tivesse uma Lei de Acesso à Informação. Foi uma pessoa que ajudou o Brasil a entender a importância da transparência da coisa pública numa sociedade democrática.
Guilherme Alpendre
Conheci o Claudio aos 20 anos, estagiário. Que sorte.
Um dia ele ouviu um batucar repetitivo no teclado dos computadores. Éramos nós "limpando" um texto copiado de um PDF com o pior dos sistemas: flecha para baixo, end, delete; flecha para baixo, end, delete.
Viu aquilo e se arrepiou: "Se v. usa um computador para fazer uma tarefa repetitiva, v. é burro".
Pediu imediatamente que fosse comprado um projetor e marcou aulas de Word e Excel para todos às segundas, quartas e sextas, de 16h a 18h. Quis ser professor no sentido literal, depois de anos nos ensinando.
Despedimo-nos ontem, mais amigos do que colegas. É impossível agradecer sua generosidade.