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Conferência Internacional de Jornalismo Investigativo - O que vimos por lá

Trago novas da Global Investigative Journalism Conference (GIJC 2017), direto de Johanesburgo – bom mais ou menos, comecei o texto lá e termino aqui. Falo abaixo um pouco sobre o que vi da conferência e listo discussões e histórias interessantes que peguei por lá. Ainda nesta semana tento mandar mais coisa e uma lista de ferramentas úteis que foram mostradas por lá, ok? Minha perspectiva é um pouco mais mão na massa, já que fiquei acompanhando as sessões mais de prática e menos de discussão de mercado. Para penalizá-los menos, colocarei tudo em tópicos e assim talvez alguém chegue ao fim do email =)

A CONFERÊNCIA EM SI

Uma série de ferramentas/técnicas interessantes foram mostradas no evento (uma lista detalhada no próximo email), mas a programação da GIJC não trouxe exatamente muita novidade, especialmente se comparada à de dois anos atrás. Eles decidiram fazer menos sessões com mais intervalo para networking (coisa que este desajeitado social tem poucas possibilidades de avaliar se deu certo), mas as discussões e técnicas mostradas avançaram pouco em relação à edição anterior do evento.

Dois pontos chamaram atenção pela opção de foco:

1 – Realidade virtual/ 360

Se algum de vocês teve paciência de ler em maio o email sobre a conferência na qual caí de paraquedas (paraquedas escreve assim mesmo, tá?) em Viena, lembrará que o assunto tinha lugar privilegiado naquele evento. Algumas das principais mesas do auditório do GEN Summit e metade de um andar eram dedicados a experiências do chamado jornalismo 360. Ou era o início de uma nova tendência ou, achava eu, um destaque exagerado. O pessoal que organizou o GIJC da África do Sul parece concordar com a segunda hipótese.

Em toda a programação, houve apenas um painel numa sala pequena sobre o tema e, em outra sala pequena, uma demonstração de duas matérias curtas com VR – que ficaram lá para serem vistas, sem muita fila, durante quase toda a conferência. Bom lembrar que há diferença entre os eventos. A conferência da GEN (Viena) era voltada aos chefões das redações e aos donos de veículos, que poderiam querer “comprar” a ideia. A GIJC, voltada aos jornalistas em si, parece ter visto menos utilidade às narrativas jornalísticas no atual estado das coisas – o que, claro, pode mudar. Ou então é você tá com birra de VR, Tiago! Sim, é possível.

2 – Jornalismo de dados

Apesar de um terço da programação envolver dados, houve uma mudança em relação ao GIJC da Noruega, dois anos antes. Além menos painéis (foram 46 contra 67 do evento anterior), a conferência da África do Sul teve uma inflexão em direção a temas mais generalistas. Menos Python e raspagem de dados e maior presença de mesas mostrando onde buscar e como usar dados em investigações. Em vez de seguir um caminho de formar mais jornalistas em programação, a opção foi mostrar os caminhos para aproveitar um conhecimento mediano de planilhas e bancos de dados de forma mais eficiente. Teve coisa interessante, mas faltou novidade.

Nota rápida: o Nobel Joseph Stiglitz lamentou na conferência sua curta participação no comitê que o governo panamenho tinha anunciado para reformar o sistema financeiro do país após o Panama Papers. Ele saiu, basicamente, porque o governo não concordava em dar transparência total ao relatório que seria feito. Depois de sair, lançou um documento paralelo com recomendações de mudanças no sistema financeiro internacional para evitar lavagem de dinheiro e operações ocultas. O documento é do fim do ano passado. Confesso que eu não tinha lido o texto na época, mas visitar o documento agora dá uma perspectiva interessante sobre a importância do trabalho da imprensa, às vezes não muito clara, quando expõe donos de offshores cujas atividades não são necessariamente ilegais, como ocorreu no recente Paradise Papers.  

DISCUSSÕES INTERESSANTES

Como comentei, peguei a parte mais mão na massa, com foco em dados. Abaixo duas discussões que pareceram pertinentes.

1 - Visualização de dados

Na sessão “Fronteiras da visualização de dados”, as craques Lena Groeger (Pro Publica) e Jane Pong (Financial Times) mostraram uma série de referências que consideram tendência na área. Da sacada do mapa das duas américas ao editorial que visualizou massacres dos EUA em forma de calendário no New York Times passando pela diplomacia dos pandas chineses do FT (tem que registrar para ter acesso aos artigos gratuitos deles), o destaque foi para a simplicidade.

Perguntei se era uma ressaca do “excesso de interatividade” de anos anteriores e se vinha na sequência da discussão iniciada em cima dos dados do Nytimes, que mostravam um máximo de 15% dos leitores clicando nos botões de infos interativos – pra quem se interessar há uma ótima discussão sobre isso entre Dominikus Baur e Gregor Aisch. Ambas disseram que há um processo geral de mea culpa na área de dataviz e a impressão de que “fazíamos visualizações complexas só pra mostrar que podíamos e acabávamos criando coisas que distraíam o leitor da informação principal”. Os dados de que poucos interagem com essas visualizações juntados ao fato de que elas às vezes requerem muito tempo/dinheiro foram importantes, dizem elas, para uma mudança de mentalidade. Pong diz que a ordem agora no Financial Times é usar “o mínimo de interatividade possível”.

Vejo um paralelo com a chegada do Ipad. Quem trabalhava em revista na virada desta década lembra dos esforços descomunais para produzir conteúdo para a plataforma. Na Galileu fazíamos edições bonitas e ultrapesadas com muitos recursos adicionais que rendiam prêmios, mas, na prática, eram baixadas por muito pouca gente. Aos poucos a maior parte das edições de revistas e jornais para Ipad foi virando um PDF extendido – e é o que basta para a maior parte dos leitores.

Além de tocar neste ponto, as jornalistas também deram exemplos de tendência em design responsivo de infografia (para mudar completamente o info de acordo com o dispositivo), interação simples do tipo “desenhe a linha” e uso de gifs em infografia (como este excelente que mostra a evolução da renda do 1% mais rico nos EUA). Todas as referências que elas mostraram estão nesta apresentação.

2 - Dicas para desenvolver um “jeito de pensar guiado por dados”

Brant Houston deu uma sessão que, se não traz muita novidade, sistematiza bem um passo a passo que todo jornalista que trabalha com dados deveria ter consolidado. Ele chamou esse conhecimento de “Data State of Mind” e, como vocês viram acima, eu não consegui traduzir a expressão de uma maneira decente. Os passos são:

1 – Entreviste seus dados como faria com uma fonte humana. Pergunte se dá pra quantificar algum ponto de interesse, como isso se comportou longo do tempo, como ele se relaciona com o que normalmente acontece, etc. Contexto é importante.

2- Sempre assuma que a base de dados que você procura está lá. Não importa se ela vem em documentos ou se precisa que você a sistematize porque ninguém criou uma tabela ainda.

3- Sempre assuma que seus dados são sujos, já que a maior parte das bases de dados são alimentadas por pessoas mal pagas e de mal com a vida por fazer um trabalho maçante.

4 - Não assuma que só porque é um dado está correto. Por exemplo, dados do censo usados 7 ou 8 anos depois (já que são atualizados a cada década) podem mostrar algo bem longe da realidade.

5 – Entenda seus dados. De onde vieram? Por que foram coletados? Quem coletou? Com qual objetivo? Leia o dicionário de dados (se houver) e o cabeçalho inteiro e veja se a base serve à pergunta que você quer fazer a ela.

6 – Cheque seus dados, tanto para ver se eles estão íntegros (ou contêm erros de tabulação) quanto para pedir a opinião de especialistas sobre eles.

7 – Só diga o que você sabe. Nunca faça os dados dizerem o que você acha que eles poderiam dizer.

8 – Coloque os dados em contexto e não encha o leitor de números.

9 – Dados são só uma parte de um tripé jornalístico. Além deles, você deve fazer observações e entrevistas. Na maior parte das vezes, o mais interessante está nos outros pontos desse tripé ou na relação deles com os dados.

10 – Comece como uma questão simples e use os dados para respondê-la. Fazer o oposto pode levar a viés de confirmação.

Assinatura Abraji
Notas

Este texto foi retirado de um e-mail enviado em 22.nov.2017 pelo coordenador de cursos da Abraji, Tiago Mali, à lista de e-mails de associados da Abraji. A equipe da Abraji viajou à África do Sul para participar da 10ª Conferência Global de Jornalismo Investigativo em novembro de 2017.